quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Igreja: lugar do chá maluco de Alice no país das Maravilhas

“Havia uma mesa arrumada embaixo de uma árvore, em frente à casa, e a Lebre de Março e o Chapeleiro estavam tomando chá” (CARROLL, Lewis. Alice no País das Maravilhas. In: Versão para eBook: eBooksBrasil.com, 2002, capítulo VII, p. 63).

É um episódio conhecido de todos nós. E eu particularmente adoro chás! Em meio a sua jornada, Alice se aproxima da casa da Lebre de Março. Lá, embaixo de uma árvore, avista uma mesa posta. É hora do chá! A Lebre de Março, o Chapeleiro Maluco e um Leirão estão à hora do chá.

As linhas citadas no primeiro parágrafo podem nos fazer imaginar um lugar formidável: embaixo de uma árvore, uma sombra fresca, uma brisa leve e um clima agradável. Normalmente, quando estamos embaixo de uma árvore frondosa e acolhedora, nos encontramos em um espaço de descanso e de aconchego. Muitos de nós, inclusive, escolhemos a sombra das árvores como lugar para piqueniques e isso me parece uma escolha acertada porque, afinal de contas, muitas árvores são frutíferas e isso, por si só, já sugere que embaixo de seus galhos, seja lugar de refeição. Árvores podem frutificar e dar alimento para a manutenção e o revigorar da vida. E essa ideia nos remete à mitológica Árvore da Vida das narrativas bíblicas: “No meio da praça e em ambas as margens do rio cresce a árvore da vida, frutificando doze vezes por ano, produzindo cada mês o seu fruto, e suas folhas servem para curar as nações” (Ap 22,2). Gosto de pensar a árvore da qual Alice se aproximou para encontrar a mesa de chá como uma árvore especial, como uma árvore acolhedora e de vida. Acho que não poderia ter cenário melhor para que acontecesse aquele chá.  

Outro detalhe que faz a imaginação fluir é o fato de que a mesa está em frente à casa. Não está distante dela. Aprontar a mesa abaixo da árvore e em frente à casa não foge ao ambiente familiar. Embora não seja dentro da casa, é dentro do espaço do “lar”, isto é, do ambiente de convivência e referência da Lebre de Março e também do Chapeleiro.

Pergunto: Por que optaram por tomar chá embaixo da árvore em frente à casa ao invés de ficarem na sala ou na cozinha, dentro da casa? O livro não revela esse detalhe, mas podemos imaginar, pela descrição de Lewis que o clima se fazia propício para estar ao ar livre. Talvez fosse oportuno um chá “campal” que os liberasse da cotidianidade do ambiente do edifício-casa. Isso não significa que a Lebre de Março e o Chapeleiro abandonaram a casa, ou melhor, o que ela representa – E o que será que ela representa?. Afinal, se fosse assim, o autor preferiria descrever um chá no meio da floresta ou em qualquer outro lugar distante da frente da casa e da agradável sombra da árvore de seu quintal da frente. Parece, então, mais com uma opção consciente da Lebre de Março e também do Chapeleiro de tomar chá fora de casa e, mesmo assim, permanecer ainda em casa.

É preciso perceber que esse gesto revela uma escolha mais do que “maluca”. Ela cria novas condições para se fazer o que sempre se fez de uma forma inédita. É repetir a atitude de tomar chá de uma maneira inovadora. E note-se: não é preciso abandonar a casa para ter essa atitude criativa. Na verdade, foi necessário que a Lebre de Março e também o Chapeleiro olhassem para a concretude da realidade onde vivem – a casa e o quintal em frente dela, e a tarefa que iriam realizar – tomar chá, e, daí, generosos em disponibilidade e abertura, pensassem criativamente: Um chá Maluco (título do capítulo VII da obra de Carroll). A maluquice do chá começa justamente na ambientação inovadora em que ele ocorre.

Uma atitude de resistência enrijecida que insistisse em tomar chá dentro de casa, mesmo com o sol brilhando lá fora, seria também uma atitude de fechamento... se estivessem dentro de casa, trancados às tradicionais normas e conveniências de tomar chá dentro de casa, talvez Alice nunca tivesse encontrando-os sentados à mesa. Com efeito, uma atitude de enrijecimento gera desencontros e fecha portas para que outros descubram a mesa onde nos achegamos. O trancar-se dentro da segurança da estrutura da casa para a sagrada hora do chá, hora da convivência, hora de dividir a bebida do mesmo bule com os outros, exclui os que poderiam ser nossos companheiros e convidados.

Igreja tem mais haver com tomar chá embaixo de árvore do que dentro de casa. 

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