quinta-feira, 20 de abril de 2017

Ester e Maria: Rainhas da Fidelidade

“A sua fidelidade, Senhor, permanece de geração em geração” (Sl 119,90)

Uma das virtudes vividas em grau heroico pela Virgem Maria é a fidelidade. A FIDELIDADE é a marca da constância, da solidez dos elos com as pessoas, grupos, instituições e ideais com quem mantemos relações. Ser FIEL significa agir com lealdade, atenção e seriedade e isso é muito diferente de estar sempre de acordo com tudo. A fidelidade opera num nível bem mais elevado. A Bíblia nos mostra isso em alguns relatos. No livro de Gênesis, Putifar encarregou José de cuidar de sua casa: - "O meu senhor, tendo entregue tudo em minhas mãos, não pede contas do que tem em sua casa" (Gn 39,8), diz José à mulher de Putifar ao recusar suas propostas indecentes. Ele é um servo FIEL e não trairia a confiança de Putifar. Mas Putifar também é um marido FIEL. Acreditando na calúnia da mulher, manda prender José (Gn 39,19-20). A virtude da FIDELIDADE por si só não é garantia da ação correta, que exige mais do que boas intenções. É preciso ter também a sabedoria para distinguir o que é correto e ter vontade de fazê-lo.
O filósofo francês Comte-Sponville afirma que

A fidelidade não é um valor entre outros, uma virtude entre outras: ela é aquilo por que, para que há valores e virtudes. Que seria a justiça sem a fidelidade dos justos? A paz, sem a fidelidade dos pacíficos? A liberdade, sem a fidelidade dos espíritos livres? E que valeria a própria verdade sem a fidelidade dos verídicos? Ela não seria menos verdadeira, decerto, mas seria uma verdade sem valor, da qual nenhuma virtude poderia nascer. (...) não há virtude sem fidelidade (Comte-Sponville, André. Pequeno Tratado das Grandes Virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 17).

Para o filósofo, portanto, a fidelidade seria como que uma “força motriz” das outras virtudes e o que a elas dá consistência. A fidelidade necessariamente estaria combinada a outras virtudes e só assim teria sentido.
Com efeito, Nossa Senhora, em razão de sua colaboração na missão de seu Filho e pela ação do Espírito Santo, combina em si uma ditosa pluralidade de virtudes humanas. “Na pessoa da Santíssima Virgem, a Igreja alcançou já aquela perfeição, sem mancha nem ruga, que lhe é própria” (Catecismo da Igreja Católica, n. 829). Nela, FIDELIDADE e as outras virtudes coexistem e superabundam em favor da sua missão. De fato, como afirma o Catecismo da Igreja Católica n. 489, “ao longo da Antiga Aliança, a missão de Maria foi preparada pela missão de santas mulheres. (...) Deus escolheu o que era tido por incapaz e fraco para mostrar a sua fidelidade à promessa feita: Ana, a mãe de Samuel, Débora, Rute, Judite e Ester e muitas outras mulheres. Maria é a primeira entre os humildes e pobres do Senhor, que confiadamente esperam e recebem a salvação de Deus”.
Dentre estas Santas Mulheres, a Rainha Ester possuía a virtude da FIDELIDADE que Maria viveu de forma perfeita. Não é à toa que ambas são vistas como “Rainhas e Padroeiras fiéis”. São duas mulheres que protegeram com fidelidade seu povo. Ester foi “padroeira” de Israel. Por sua sábia atitude, conseguiu livrar seu povo do extermínio, devolvendo-lhe a esperança. Maria é padroeira de todas as nações, aquela que inclusive apareceu aos pobres pescadores que serviam aos nobres de Aparecida, devolvendo-lhes a alegria da vida – Ela é também a padroeira do Brasil. Já muito bem aplicava São Alberto Magno a este propósito a história da rainha Ester, que foi prefiguração de Maria, nossa Rainha.
Não é sem razão que a Liturgia da Igreja celebra a Mãe e protetora do povo cristão com a Primeira Leitura tirada do livro de Ester 5,1b-2;7,2b-3 que no Brasil lê-se na Solenidade de Nossa Senhora da Conceição Aparecida.
No livro bíblico de Ester, são narradas as peripécias dessa mulher judia, filha adotiva do israelita Mardoqueu, que se tornou rainha na corte persa, ao lado do rei Assuero, o Xerxes I (cf. Est 1,9; 2,18).
Rainha Ester - Portal da Virgem, Aparecida SP
(Cláudio Pastro)

No relato recolhido por William J. Bennert[1] dos capítulos 1 e 2 do Livro de Ester, tudo começou por ocasião de um banquete que o rei ofereceu para todos os seus oficiais e servidores. A festa durou uma semana. O pátio estava todo enfeitado com cortinas de algodão brancas e azuis, amarradas com cordões de fino linho vermelho, que estavam presos por argolas de prata a colunas de mármore. O piso era feito de ladrilhos azuis, de mármore branco, de madrepérola e de pedras preciosas. Nesse pátio havia sofás de ouro e de prata. Os convidados tomavam as bebidas em copos de ouro, todos eles diferentes uns dos outros, e o rei mandou que o seu vinho fosse servido à vontade. A rainha Vasti também ofereceu no palácio real um banquete para todas as mulheres dos convidados.
No sétimo dia de banquetes o rei já havia bebido bastante vinho e estava muito alegre. Aí ele mandou chamar os sete eunucos que eram os seus servidores particulares. O rei ordenou que eles fossem buscar a rainha Vasti e que ela viesse com a coroa de rainha na cabeça. Ela era muito bonita, e o rei queria que os nobres e os outros convidados admirassem a sua beleza. Mas a rainha não atendeu à ordem do rei, e por isso ele ficou furioso.
Mais tarde a raiva do rei já havia passado, mas mesmo assim ele continuava a pensar no que Vasti havia feito e no decreto que ele havia assinado contra ela. Aí alguns dos seus servidores mais íntimos lhe disseram: - Rei, mande buscar as mais lindas virgens do reino. Escolha funcionários em todas as províncias e ordene que tragam as moças mais bonitas para o seu harém aqui em Susa, a capital. Egeu, o eunuco responsável pelo harém real, tomará conta delas e fará que recebam um tratamento de beleza. E então, ó Rei, que a moça que mais lhe agradar seja a rainha no lugar de Vasti. O rei gostou da ideia e fez o que lhe sugeriram.
Em Susa morava um judeu chamado Mardoqueu, filho de Jair e descendente de Simei e de Quis, da tribo de Benjamim. Quando o rei Nabucodonosor, da Babilônia, levou de Jerusalém como prisioneiro o rei Joaquim, de Judá, Mardoqueu estava entre os prisioneiros que foram levados com Joaquim. Mardoqueu levou consigo a sua prima Ester, uma moça bonita e formosa. Os pais dela tinham morrido, e Mardoqueu havia adotado a menina e a tinha criado como se ela fosse sua filha.
Quando o rei mandou anunciar a ordem, muitas moças foram levadas para Susa, a capital, e entregues aos cuidados de Egeu, o chefe do harém do palácio. Uma dessas moças era Ester. Egeu gostou dela, e ela conquistou a simpatia dele. Imediatamente ele começou a providenciar para ela o tratamento de beleza e a comida especial. Arranjou sete das melhores empregadas do palácio para cuidarem dela e colocou Ester e as empregadas nos melhores quartos do harém.
Ester fez conforme Mardoqueu tinha mandado e não disse nada a ninguém a respeito da sua raça e dos seus parentes. Todos os dias Mardoqueu passeava em frente do pátio do harém para saber como Ester estava passando e o que ia acontecer com ela. O tratamento de beleza das moças durava um ano; durante seis meses perfumes de mirra e, no resto do ano, outros perfumes e produtos de beleza.
Terminado o tratamento, cada moça era levada ao rei Assuero. Quando chegava a sua vez de ir do harém até o palácio, cada moça tinha o direito de levar tudo o que quisesse. À tarde ela ia ao palácio e na manhã seguinte ia para outro harém e era entregue aos cuidados de Sasagaz, o eunuco responsável pelas concubinas do rei. Ela não voltava a se encontrar com o rei, a não ser que ele gostasse dela e mandasse chamá-la pelo nome.
Chegou a vez de Ester, filha de Abiail e prima de Mardoqueu, a moça que Mardoqueu tinha criado, a moça que conquistava a simpatia de todos os que a conheciam. Quando chegou a sua vez de se encontrar com o rei, ela levou somente aquilo que Egeu, o eunuco responsável pelo harém, havia recomendado.
Ester foi levada ao palácio para apresentar-se ao rei Assuero no mês de tebete, o décimo mês do sétimo ano do seu reinado. Ele gostou dela mais do que de qualquer outra moça, e ela conquistou a simpatia e a admiração dele como nenhuma outra havia feito. Ele colocou a coroa na cabeça dela e a fez rainha no lugar de Vasti. Depois ele deu um grande banquete em honra de Ester e convidou todos os oficiais e servidores. Ele decretou que aquele dia fosse feriado no reino inteiro e distribuiu presentes que só um rei poderia oferecer.
Assim, Ester, mulher de rara beleza, graça e feminilidade, tornou-se rainha no palácio do opressor. E aconteceu que, mais tarde, o primeiro-ministro do rei Assuero, Amã, sugeriu ao rei que fosse decretado o fim do povo judeu que vivia no império, dizendo-lhe: “Há um povo espalhado por todas as províncias de teu reino, separado entre os povos e obedecendo a leis estranhas, que os outros não conhecem, e que além disso despreza o decreto do rei. Não convém que o rei os deixe tranquilos” (3,8). E assim aconteceu: o rei concordou e autorizou Amã a executar a sua sentença, que rezava: “No dia treze do décimo segundo mês, o mês de Adar, todos os judeus sejam aniquilados e confiscados os seus bens” (3,13). O dia previsto foi escolhido por meio da sorte lançada diante do rei. Ester, sabedora dessa realidade, ofereceu um banquete ao rei Assuero (cf. 7), no qual estava também presente o malvado Amã. Já tomado pelo vinho, o rei, quando viu Ester na sua presença, lhe perguntou com agrado o que lhe vinha pedir: Qual é o teu pedido? Respondeu-lhe a rainha: Meu rei, se em algum tempo achei graça aos teus olhos, concede-me a vida – é o meu pedido – e a vida do meu povo – é o meu desejo (7,3). E Assuero a ouviu e atendeu, ordenando logo que se revogasse a sentença. O rei não só realizou seu desejo, como também mandou enforcar Amã (cf. 7,10).
Santo Afonso Maria de Ligório nos diz que se Assuero, por amor a Ester, lhe concedeu a salvação dos judeus; como poderá, então, Deus, cujo amor por Maria é sem medida, deixar de ouvi-la quando pede pelos pobres pecadores, que a ela se recomendam? 
Nossa Senhora das Estrelas - Pe. Renato, SJ

Ester foi mulher de grande fidelidade porque nunca esqueceu seu povo e seu Deus. Mesma tornando-se Rainha de um povo com cultura e práticas religiosas diferentes das suas, Ester optou por permanecer fiel às suas origens, temente a Deus e cumpridora de Seus mandamentos. A Bíblia sentencia que sua fidelidade era tamanha afirmando que “Ester não mudou de conduta” (Est 2,20).
A Virgem Maria, de forma ainda mais perfeita, foi mulher de grande fidelidade. É invocada sob o título de Virgem Fiel porque permaneceu perseverante ao seu Filho até o fim. Esteve de Belém, na infância, quando adulto e pregador itinerante, até a Cruz com Ele... e além!
A fidelidade faz parte da vocação batismal, isto é, todo cristão é chamado a ser fiel a Cristo. A fidelidade de Ester, de Maria e de todos os batizados não é outra coisa se não resposta à fidelidade de Deus. O Catecismo da Igreja Católica n. 207 diz que “ao revelar o seu nome, Deus revela ao mesmo tempo a sua fidelidade, que é de sempre e para sempre, válida tanto para o passado (“Eu sou o Deus de teu pai” Ex 3,6), como para o futuro (“Eu estarei contigo” Ex 3,12). Deus, que revela o seu nome como sendo “Eu sou”, revela-Se como o Deus que está sempre presente junto do seu povo para o salvar”. Deus é fiel conosco e por isso, somos vocacionados a ser fiéis a Ele.   
A fidelidade possui três dimensões:

ESTER
MARIA
BATIZADOS
Busca
Acorria ao Senhor com orações (Est 14) e jejuns (Est 4,16) quando precisava discernir e tomar decisões
Se pôs a buscar o sentido profundo do Desígnio de Deus n’Ela e para o mundo “Como poderá ser?” (Lc 1,34), perguntou Ela ao Anjo da Anunciação
Conhecimento de si, e da vontade de Deus para a própria vida
Acolhimento
Acolhe com docilidade os conselhos de Mardoqueu (Est 2,19) e de Egeu (Est 2,15), usando de sabedoria para conquistar o rei e enfrentar os desafios da vida na corte
A aceitação: “Eis aqui a serva do Senhor, que sua Palavra se cumpra em mim!” (Lc 1, 38)
Acolher as pessoas e as situações da vida como oportunidades para em tudo amar e servir
Coerência
Intercedeu junto ao rei pelo seu povo, não se esquecendo de suas raízes (cf. Est 7,3) – “Ester não mudou de conduta” (Est 2,20)
É a perfeita discípula missionária – “Primeira cristã”
Viver de acordo com o que se crê. Ajustar a própria vida à fé que se tem adesão


Ester, com a sua atitude, passou para a história como símbolo de fidelidade, de resistência e de fé. Ela libertou o povo oprimido, devolvendo a esperança e a alegria a seu povo, que, com pavor, esperava o dia da morte. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica n. 64: “Serão sobretudo os pobres e os humildes do Senhor os portadores desta esperança. As mulheres santas como Sara, Rebeca, Raquel, Míriam, Débora, Ana, Judite e Ester[2] conservaram viva a esperança da salvação de Israel. Maria é a imagem puríssima desta esperança”. Com Maria podemos aprender como viver a virtude da fidelidade.




[1] William J. Bennert. O livro das virtudes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995, p. 460-62.
[2] Grifo nosso

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