terça-feira, 21 de abril de 2015

Legislação equivocada prevê a extensão do falido sistema carcerário de adultos para jovens a partir de 16 anos

As recorrentes notícias de crimes cometidos por menores colocou de novo em pauta a discussão acerca da redução da maioridade penal no Brasil. Cada vez mais, jovens menores assumem a autoria de delitos. De fato, esses jovens não costumam agir sozinhos, estão sempre na companhia e sob a influência de outros jovens não menores e de adultos. Os mesmos com os quais teriam frequente convivência se fossem encarcerados no mesmo sistema penitenciário.


As cadeias brasileiras não são famosas por sua habilidade em recuperação de criminosos, educação e reintegração deles à sociedade. Na verdade, nosso sistema carcerário é mais parecido com uma intensiva e eficiente “escola do crime”. Com efeito, quem lá entra, logo aprende a arte da criminalidade. Estender esse sistema penitenciário aos jovens infratores é educar para o crime, trata-se de ofertar-lhes a possibilidade de aperfeiçoamento na arte já iniciada.
Sem rodeios, podemos afirmar que hoje o melhor lugar para aprender a ser criminoso é a cadeia. A experiência dos outros infratores, a convivência constante com eles, o tempo disponível para debruçar-se em possibilidades de ladroagem e pensamentos de requintes de maldade são elementos que contribuem nessa aprendizagem.


 Os jovens, sobretudo aqueles com pouco acesso à educação de qualidade -  com exceção do fácil acesso à arte do crime – são seduzidos pela atraente possibilidade de ganhar muito dinheiro de forma rápida. Para eles, o crime compensa, embora boa parte não viva tempo suficiente para contar a história. Ora, essa motivação para o crime dá-se em grande parte porque o sistema educacional que atinge a maior parte desses jovens não cumpre o seu papel de educar, deixando-os vulneráveis a toda a sorte de propostas manipuladoras.

                Punição mais cedo, longe de ser medida educativa, é isenção de responsabilidade e atitude de comodidade. Na verdade, essa medida intenta desviar a questão dos verdadeiros dois grandes desafios que dela decorrem. O primeiro é promover mudanças efetivas para que as instituições educacionais desempenhem a sua missão de educar para a vida virtuosa e honesta, enquanto o segundo é estudar formas de tornar o atual sistema carcerário capaz de reeducar jovens e adultos à prática do bem e à convivência social.  

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Sobre Sentido da Vida, Vocação e outras coisas

Toda a vida é sempre possível de sentido. Vocação é a experiência de conferir sentido à vida. Viktor Frankl, um psicólogo judeu que sobreviveu a um campo de concentração nazista já dizia que a vida humana tem três possibilidades de sentido: o amor, o sofrimento e o trabalho, isto é, o serviço. Leia mais sobre isso aqui. Em um pequeno conto antigo e de origem asiática - provavelmente indiana, é possível ver as três dimensões do sentido da vida humana: 

"Num dos lugares mais bonitos deste mundo, havia um jardim no qual, entre diferentes variedades de plantas, erguia-se um grandioso bambu. Ao mínimo soprar do vento, o bambu se movia e dançava, alegrando o coração do senhor do jardim que, todos os dias, passeava pelas trilhas e veredas.
O bambu e o senhor se amavam muito e se deleitavam com a companhia mútua. Um dia, o senhor do jardim se aproximou do bambu e, com uma ternura toda especial, disse-lhe: "Bambu, eu preciso de você".
O dia dos dias chegou. A alegria do bambu extravasava por toda parte. Começou uma dança sem fim.
- "Estou pronto", respondeu-lhe.
- "Bambu, continuou o senhor, eu preciso cortar você".
- "Cortar-me? Por quê? Eu posso servir você, mas não me corte, por favor".
- "Se eu não cortar seu tronco, você não pode me servir".
Diz a lenda que no jardim, se fez um silêncio sepulcral. O vento parou de soprar e até as borboletas fugiram amedrontadas. O momento era trágico.
Abaixando a cabeça, o bambu respondeu com um fio de voz:
- "Pode me cortar."
Pela segunda vez, o senhor do jardim se aproximou do bambu e, com firmeza, continuou:
"Bambu, amado bambu, eu preciso cortar seus galhos e folhas".
- "Não faça isso, acrescentou o bambu. Sem eles eu perderia a minha beleza".
- "Bambu, continuou o senhor, se eu não fizer isso, você não pode ser útil".
Mais uma vez o bambu, cabisbaixo, acenou que podia cortar tudo.
Pela terceira vez, aproximando-se do coração e falando-lhe com muita ternura, o senhor dirigiu suas últimas palavras. "Eu preciso rachar no meio seu tronco e arrancar o miolo e o coração". O bambu disse: "Pode fazer o que quiser. Corte-me e use-me como quiser".
Foi então que o senhor do jardim começou a cortar o bambu. Tirou os ramos e as folhas. Rachou no meio seu tronco e arrancou seu coração. Depois disso, com muito carinho, carregou o bambu em seus braços até um lugar onde havia uma fonte de água. Uma extremidade do bambu foi posta na fonte e em todo seu corpo começou a correr uma água cristalina que se dispersava fora do jardim. Os campos estavam secos e áridos. Fazia muito tempo que não chovia. O arroz não conseguia brotar pela aridez do terreno. Foi, então, que através do bambu a água começou de novo a dar vida às plantas e à terra. Tudo refloresceu. O povo, que andava tão triste e acabrunhado, porque não tinha comida, recuperou a esperança e a felicidade." (Do livro Espiritualidade e Missão de Giorgio Paleari). 

Há três verbos que definem a trajetória do Bambu, ele é tomado, quebrado e doado

1. Tomado: Dentre as plantas do jardim o Bambu é a favorita e muito amada. O Bambu é o escolhido. Embora no começo não compreenda, desempenhará uma missão importante. É disponível e por amor está aberto à vontade do senhor do jardim; (Amor)
2. Quebrado: O Bambu é cortado, rachado e quebrado pelo senhor do jardim. Não é um gesto de violência gratuita motivada pela maldade ou pelo desafeto, muito pelo contrário, é um gesto de amor ao bambu e a todos os que se beneficiariam com esse gesto; (Sofrimento)
3. Doado: Quando quebrado, o bambu serve para um novo propósito que é maior e mais profundo que o anterior. Ele doa a sua existência para que outros possam bem existir; (serviço)

Muito da vida de Jesus também pode ser dito com esses três verbos:

1. Tomado: Jesus é o primogênito (cf. Cl 1,18), o filho muito amado (cf. Mt 3,17) que tem a missão de anunciar o Reino de Deus (cf. Mc 1,15) e, pela sua Paixão, Morte e Ressurreição, resgatar e salvar a todos que abraçam à salvação (Hb 5,9). Ele é o verdadeiro sacerdote, tomado do meio do povo (cf. Hb 5,1) para servir ao próprio povo; 
2. Quebrado: Consciente de seu sofrimento (cf. Mc 8, 34s), Jesus foi obediente até a morte e morte de cruz (cf. Fl 2, 18). Ele que é Deus, fez-se homem, abaixou-se e humilhou-se como servo sofredor (Is 56, 2-5;
3. Doado: "Não há maior amor que dar a vida pelos amigos" (Jo  15, 13). Se uma frase pudesse resumir a missão de Jesus, poderíamos arriscar dizer que ele é alguém que passou pelo mundo fazendo o bem (cf. At 10, 38). Uma vida doada a serviço de todos, para que todos tenham vida em abundância (Jo  10, 10);

... e a Eucaristia também é marcada por essa dinâmica...

Jesus na Eucaristia é pão tomado pelas mãos do sacerdote, quebrado, isto é, partido e, em seguida, doado, distribuído a todos (cf. Lc 24,28-31; Mc 14, 22-26; Mt 26, 26-30). Esses três verbos acabam por nos revelar um itinerário da dinâmica da vida cristã e da espiritualidade missionário dos discípulos de Jesus. 

...A espiritualidade para viver a Vocação:

1. Tomado: Nasce no discípulo missionário de Jesus a consciência de que Deus o amou e o chamou por primeiro. A iniciativa é sempre primeira de Deus. A resposta é que é nossa! Uma resposta generosa e aberta À Vontade de Deus em nossas vidas só é possível em uma experiência de amor profundo a Deus e do encontro com Jesus, que dá novo sentido à vida. É sempre uma resposta de amor a DEUS nos irmãos e irmãs. A pergunta chave que precisamos nos fazer é: Qual é a vontade de Deus para minha vida hoje? Através da oração e da atitude de sensibilidade ao cotidiano da vida é que se escuta a voz de Deus.

2. Quebrado: Uma vez consciente da escolha divina para uma missão específica- porque a vida nunca é vazia de significado - , o discípulo missionário é "quebrado", isto é, abre mão daquilo que pode não estar em comunhão com a Vontade de Deus, ou ainda que impeça a realização dos desígnios divinos em sua vida. É a hora de "quebrar" os projetos pessoais, os desejos próprios e assumir o sonho de Deus para nossas vidas. É também o momento em que nosso orgulho e nossas convicções são "quebradas" para dar lugar a certeza de que é Deus quem tudo realiza em nós, por nós e pelos outros. É humildade.    

3. Doado: A finalidade de também tomar a cruz é seguir Jesus. E ser discípulo é o mesmo que fazer o que o Mestre fazia - até porque é ainda Ele quem o faz - e o Mestre, acima de tudo, foi aquele que doou a vida e ainda doa-a na Eucaristia; Na esteira de Jesus Mestre, o discípulo é aquele que entrega-se à missão e a vocação, vontade de Deus, para colocar-se a serviço dos irmãos e irmãs. É vida Eucarística, é autentico discipulado.