domingo, 24 de maio de 2020

A reunião ministerial do Messias



Jesus escolheu um grupo de colaboradores para ajudá-lo em seu ministério, os apóstolos (At 1,2). Certa vez, pediu a eles uma reunião na Galileia (Mt 28,16). Era a última daquele tipo, e o tema da pauta era importante para “todas as nações” (Sl 46,8-9), “até os confins da terra” (At 1,8). O que sai da boca de Jesus não é palavreado chulo, Jesus fala do Reino de Deus (At 1,3) e comunica esperança (Ef 1,18). Ele poderia ter xingado, agido com autoritarismo, forçado a barra para que o projeto em que vinha trabalhando fosse colocado em prática logo: o Reino de Deus (At 1,3). 

Mas não. 



Jesus não escolhe o caminho da idolatria da sua autoridade. Exousia. Essa palavra grega que pode ser traduzida como autoridade aparece três vezes nas leituras da liturgia católica desse Domingo da Ascensão do Senhor. 

Exousia refere-se à autoridade do Pai que é dada a Jesus Cristo (At 1,7; Ef 1,21; Mt 28,18). A exousia de Jesus é expressa na sua liderança do grupo dos apóstolos, seus colaboradores escolhidos (At 1,2). Enquanto Cabeça da Igreja (Ef 1,22), Jesus ultrapassa o discurso chulo e vazio, Ele FEZ e ensinou (At 1,1), Ele mostrou vida (At 1,3). 

Sua Exousia é carisma, dom do Espirito Santo (At 1,2) que Ele doa também aos que se comprometem com a radicalidade do Reino de Deus (At 1,5; Mt 28, 19-20) ao qual Ele tanto instruiu (At 1,3). Ao invés de panelaços, a exousia de Jesus é festejada ao som de trombetas e harpas, por entre aclamações de alegria (Sl 46, 2.6-8). 

Ah! A verdadeira autoridade! A verdadeira exousia é bonita de se ver! Ela agrega e nos faz ter o desejo de ser testemunhas do verdadeiro Messias (At 1,8; Mt 28, 19-20). Ela enche os nossos corações de luz (Ef 1,18) e nos faz caminhar na certeza de que, apesar da falta de boas lideranças, não estamos abandonados. O Galileo nos acompanha todos os dias, até o fim do mundo (Mt 28,20).  

quarta-feira, 6 de maio de 2020

O eclipsar de Deus em tempos de Covid-19

“Afastastes de mim meus parente e amigos (...)
Eu estou aqui preso e não posso sair” (Sl 87,9)

A escuridão sobre a terra (Mc 15,33) era vista como praga (Ex 10,22-23). A maior característica de uma praga é a morte em massa, como a peste negra medieval, a gripe espanhol moderna e a Covid-19 da época contemporânea. Nessas horas, a pergunta que sai de dentro como num grito em prece (Mc 15,37) é: “Eloí Eloí lemá sabactâni?” (meu Deus, meu Deus porque me abandonaste?) (Mc 15,34). E as vezes a resposta imediata é um silêncio prenhe de escuridão (Mc 15,33). A experiência da tristeza mortal e da agonia (Mc 14,33-34), mas também do sofrendo e da morte (Mc 15,37) fizeram parte da experiência da humanidade inteira ao longo de todos os tempos. Por meio de sua paixão e morte de Cruz, Jesus participa do mesmo sofrimento humano.


Jesus também experimentou esse eclipsar do Pai quando da sua morte (Mc 15,33-34; Lc 23,45). Na hora de maior brilho, meio-dia, contraditoriamente é quando uma escuridão quarentenou a luz da terra de Israel e seu Templo (Mc 15,33). De fato, em tempos antigos, o povo de Israel experenciou esse profundo eclipsar do Pai com a realidade do exílio. Hoje, a quarentena que nos priva do banho de sol nas ruas, nos obriga a um exílio dentro de nossas próprias casas. Que sinal essa escuridão nos comunica (Jl 2,1-2; Sl 105,28; Is 50,3-4; Ez 32,7; Jr 15,9)? Luto (Am 8,9-10)?

Ora, as mortes e o luto das famílias que padecem com Covid-19 não podem ser objeto de desrespeito e zombaria. Zombaram também de Jesus na hora de sua morte, com a lenda de que Elias milagrosamente iria o resgatar da Cruz: “Olha, ele chama por Elias”, “Deixem-no e vejamos se Elias vem tirar ele daí” (Mc 15,35-36). A zombaria continua: “E daí?”, “É uma gripezinha!”. Jesus segue sua paixão e morte na pandemia de nossos dias.

No relato segundo Marcos, a morte de Jesus provoca reviravoltas (Mc 15,38-39): O véu do santuário é rasgado, indicando ruptura com o sistema religioso (Mc 15,38), e uma novidade, um pagão, o centurião, proclama a identidade de Jesus (Mc 15,39). Ruptura e novidade são reviravoltas provocadas pela escuridão eclipsar da morte de Jesus. Ruptura e novidade são apelos para épocas de escuridão eclipsar. Com o que vamos fazer ruptura? Qual será a novidade pós-Covid-19? Martin Buber (1878–1965) certa vez contou:

"Quando, no dia de sua criação – diz uma lenda judaica –, os primeiros homens rejeitaram a Deus e foram expulsos do jardim, pela primeira vez viram o sol se pôr. Ficaram amedrontados, porque não conseguiram entender tal fato a não como se, por sua culpa, o mundo estivesse voltando a mergulhar no caos. Durante a noite inteira os dois ficaram sentados, um diante do outro, chorado, e sua conversão aconteceu. Então raiou a manhã" (BUBER, M. Eclipse de Deus. Campinas: Verus, 2007, p. 26).

A humanidade inteira precisa de um tempo penitencial. Precisamos do nosso “meio-dia à nona hora” que Jesus viveu junto ao povo na Cruz (Mc 15, 33-34). Precisamos nos permitir sentir algum abandono do Pai, “Eloí Eloí lemá sabactâni?” (meu Deus, meu Deus porque me abandonaste?) (Mc 15,34), precisamos também gritar nossas dores que nos fazem buscar Deus nas profundezas de nosso ser (Mc 15,37). Precisamos de tempo para chorar nossas mortes e, então, responder aos apelos de ruptura e novidade (Mc 15,38-39). Em suma, precisamos viver a quarentena.

Com a sua profissão de fé, o Centurião pagão estava apto para o seguimento a Jesus (Mc 15,39). A novidade de sua fé era novidade para toda a comunidade cristã nascente. Essa novidade nasce da morte de cruz, do eclipse de Deus em Jesus. Todo eclipse é transitório e toda escuridão é passageira. Ao mesmo tempo, na Morte de Jesus segundo Marcos, é possível vislumbrar que toda escuridão é prenhe também de apelo ao novo que rompe com a zombaria da indiferença do sofrimento alheio e chama à conversão. A luz vai raiar amanhã.