quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Meu voto para presidente

Algumas pessoas me perguntaram em quem eu vou votar. Resolvi que vou dar a minha opinião. Não vou cair no infantilismo dessa gritaria virtual e excluir contatos das redes sociais por causa de uma divergência política. Eu vou apenas dizer o que penso. 
Meu candidato para a presidência do país no 1º turno está fora da disputa no 2º turno. Era Geraldo Alckmin (PSDB). Não morro de amores por ele. A verdade é que, diante dos candidatos, ele, que foi governador de São Paulo, me parecia a melhor opção. 2º turno temos o arrogante PT e o "Messias" Bolsonaro (PSL). Triste.
Seja como for, quero falar com você que é católico e vai votar. Quem me conhece, sabe o quanto eu aprecio o trabalho da CNBB (Conferência dos Bispos do Brasil). Acompanho os seus escritos, documentos e estudos desde que estava no ensino médio. Meu compromisso enquanto cristão com a Igreja - e mesmo o despertar de minha vocação em muito devo a leitura e escuta atenta do Magistério local. Busco orientar o meu agir eclesial e cristão a partir das Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja No Brasil - sempre promulgadas pela CNBB - igualmente me guio pelo Magistério do Episcopado Latino-Americano (CELAM) e pelo Magistério Universal (Santa Sé e documentos pontifícios). Sou católico e vivo a minha fé, mesmo que, por vezes, eu seja criticado pelo gosto e pela proximidade que tenho pelos documentos eclesiais e de modo particular pela CNBB. 

É por isso que fiquei consternado quando vi que Jair Bolsonaro ofendeu a CNBB chamando-a de parte podre da Igreja: https://www.youtube.com/watch?v=49_yJ8li34k   -  http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/583781-bolsonaro-sobre-os-bispos-brasileiros-eles-sao-a-parte-podre-da-igreja-catolica  - Não quero esse homem como presidente e acho que os católicos também não deveriam querer alguém que fala assim de seus bispos. 

Alguns talvez saibam ano passado estive morando em Sinop (MT) e pude conhecer de perto o trabalho do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), participei do julgamento do caso do assassinato do Ir. Vicente Canãs, SJ que morreu defendendo os índios daquela região e até pude participar de uma perícia em uma aldeia indígena ... eu contei isso aqui: http://joaomelo10.blogspot.com/2017/12/do-cativeiro-ao-presente-de-despedida.html   - Jair Bolsonaro ofendeu o CIMI também... que é uma organização católica que busca garantir que os indígenas tenham os seus direitos básicos atendidos. Depois de ter vivido um ano no Mato Grosso e ter visto e vivido de perto o trabalho do CIMI na defesa dos indígenas, eu não posso concordar com a afirmação de Jair Bolsonaro de que o CIMI é a parte podre da Igreja. Não quero esse homem como presidente e acho que os católicos também não deveriam querer alguém que fala assim do trabalho da Igreja na defesa dos povos indígenas. 

CNBB  e CIMI são duas das entidades que fazem parte da REPAM (Rede Eclesial Pan-Amazônica) que está articulando, a pedido do papa Francisco, o Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia: https://www.youtube.com/watch?v=W5AMCIBO3hE – Para quem é católico e já não tem o costume de ler os documentos da CNBB e não sabe o que é um Sínodo dos Bispos, aconselho pelo menos ler a Constituição Apostólica Episcopalis Communio Sobre o Sínodo Dos Bispos: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/apost_constitutions/documents/papa-francesco_costituzione-ap_20180915_episcopalis-communio.html - CNBB  e CIMI são duas entidades essenciais na realização da ação ordinária da Santa Sé, isto é, o Sínodo dos Bispos.
A temática está em torno do cuidado da casa comum, tema da Carta Encíclica Laudato Si’ do Santo Padre Francisco: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html  - Enquanto isso, Jair Bolsonaro defende a  fusão dos ministérios da agricultura e meio ambiente –apesar que agora que está querendo voltar atrás https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/10/18/bolsonaro-defende-juntar-ministerios-da-agricultura-e-do-meio-ambiente-e-se-diz-preocupado-com-questoes-ambientais.ghtml  - Não quero esse homem como presidente e acho que os católicos também não deveriam querer alguém que demonstra pouco interesse no cuidado com a casa comum – cuidado  tão insistido pelo papa Francisco. 
Esse ano estou participando da Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Feira de Santana (BA). Vejo cada vez que visito um pavilhão da cadeia o que é a realidade de um preso daqui. Urge Direitos Humanos para que o ambiente em que eles estão confinados possa oferecer as condições adequadas para a ressocialização dos presos... Função primeira do sistema penitenciário brasileiro que, na verdade, está falido. Não precisamos de mais violência nos presídios, ou de mais presídios... Precisamos de humanização dos complexos prisionais que existem a fim de humanizar quem por lá passa. Os Diretos Humanos lutam  por  isso. Por outro lado, Jair Bolsonaro quer boicotar a atuação dos Direitos Humanos que ele diz defender bandido: https://www.valor.com.br/politica/5934943/bolsonaro-esta-equivocado-sobre-direitos-humanos-diz-procurador - Não quero esse homem como presidente e acho que os católicos também não deveriam querer alguém que demonstra não conhecer nada da realidade prisional do país que pretende governar  –a maior parte das pessoas que concordam com ele também não sabem como é um presídio. Lástima.
Quem me conhece sabe que eu nunca fui e não sou petista. Para não dizer que nunca, votei uma vez no senador Eduardo Suplicy em SP. Só. Não defendo o voto no PT.
Nessas eleições, eu concordo com o Mano Brown quando diz que o PT não fala com o povão da periferia mais:  https://epoca.globo.com/mano-brown-acaba-com-clima-festivo-em-ato-do-pt-23183740 - Eu concordo com Luciano Huck quando diz que é lamentável que sejam esses os dois candidatos a chegarem ao 2º turno: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/luciano-huck-sigo-aqui.shtml - Eu concordo com Caetano Veloso quando defende o Mano Brown e diz que o brasileiro está polarizado. Eu concordo com FHC quando diz que Jair Bolsonaro é um muro e Haddad uma porta enferrujada de um partido que não faz autocrítica.
Seja como for, no fim das contas, eu estou ainda com o PSDB. Não com o Doria de SP – desesperado para ganhar brigou com Alckmin e correu pra apoiar Bolsonaro - , mas com o FHC, o Alberto Goldman que declarou voto no Haddad: https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/10/24/goldman-declara-apoio-haddad.htm e com a ala do PSDB conhecida como Esquerda Pra Valer https://www.boletimdaliberdade.com.br/2018/10/13/corrente-esquerda-pra-valer-do-psdb-declara-apoio-a-fernando-haddad/  - https://www.esquerdapravaler.com.br/ -  MEU VOTO NÃO É PETISTA. MEU VOTO É ANTI-BOLSONARO.

Esquerda não é coisa de comunista. Comunismo não existe no Brasil, só em Cuba, Coréia do Norte, China mais ou menos.... 

 O verdadeiro perigo é Bolsonaro. E eu ainda acho que os católicos deveriam saber disso. Mas respeito a sua divergência. 

Tenho uma confissão a fazer..... disse tudo isso mas a verdade é que ... vou justificar o voto, estou fora da minha zona eleitoral. Valeu a reflexão!



quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Ondas do Hospital Irmã Dulce


Sentado à mureta olhava as ondas do mar açoitarem os rochedos da praia. Era até confortável permanecer por ali, em cima do muro. Mas a sola dos pés experimentavam um vento que acariciava liberdade inquieta, como criança que balança as pernas sem tocar o chão. Em cima do muro, sem chão e com desejos que borbulhavam a cada nova onda que quebrava nas pedras. Fez-se silêncio no restante do mundo inteiro. Só era possível ouvir o estrondo brutal das águas lambendo aquelas rochas impassíveis. Quanta força naquelas ondas! O que as agitam dessa maneira? E nesse instante, o sangue é água do mar; e uma enseada de pensamentos é cuspida pelo oceano de sentimentos que nadam à braçadas na interioridade. E tudo que mais se quer é sair de cima do muro, pular água adentro e unir-se ao arrebentar da maré. Quanta estupidez! Todo aquele exagero de força batendo nas rochas e... nada, as pedras continuam lá, em suas firmezas. E as águas voltam a insistir outra vez. Que desperdício! Ninguém precisa de sua força inútil! Então Stuart Mill estava certo e as coisas valem pelo utilitarismo que elas têm? E amar é útil? E ser amado é útil?
Desci do muro e fui para o hospital da Irmã Dulce colhendo conchas...colchas de retalhos para costurar a minha humanidade. Usei lençóis azuis, todos eles repetidos e com a mesma frase bordada: ”Obras Sociais Irmã Dulce”. Em cada retalho um pedaço rasgado e amado de vida.
“Tudo que vai com Deus e com fé, vai bem”, repetia Santa Dulce dos Pobres, enquanto nos olhava numa presença que não sei explicar, mas sentia.
No jardim do hospital, gente de nome florido que na flor da idade tinha uma filha que no botão da idade já tinha desabrochado outra criança que perdera o pai assassinado naqueles dias. Nesse canteiro, o espinho é o câncer. Mas esse jardim de mulheres e homens teima em primaverar. Quanta força nessa maré! Qual a fonte que agita esse oceano de garra?
Passei uma semana aí colhendo dores de um sofrimento imerecido, dilacerante e injusto. Protesto! Por que aquelas pessoas sofrem tanto? Por que o sofrimento? E não houve resposta que cala-se a dor. 93 anos é idade de fazer quimioterapia? Família é coisa que dá vontade para viver. Solidão é coisa que dá vontade de morrer. Você tem medo da morte? Sussurra uma voz carente de afago. Me deixe em paz a senhora e o diabo das suas perguntas! Não quero dizer o que sinto. Não dou meus porcos famintos para comer as pérolas alheias. Lanço meus porcos precipício abaixo, mar adentro para que se calem. Protejo as suas pérolas. Engulo solenemente cada detalhe de sua história. Escuto atentamente. Amo-te com a presença do olhar. Mas “os olhos mentem a dor da gente”, canta o poeta. Na verdade, os olhos gritam. O olhar entrega e se entrega no anseio de colo e de força. Que desperdício de força nessa torrente d´agua que bate às pedras da praia. Para que essa força? Amar é útil? Quando o olhar lhe disser que está com medo, mesmo que a boca diga o contrário, ame mesmo... e ame com força! O amor é resposta generosa ao sofrimento. E peque sem matéria contra a tradicional castidade: Beije os corpos que encontrar no jardim do paraíso hospitalar. Ame e deixe-se amar com coragem e generosidade.
Na brisa leve das manhã e nas tardes sôfregas de Salvador, passeei no jardim da oncologia para encontrar o Cristo que quer vida em abundância.
Eu quis gritar e eu gritei. Eu quis sair correndo, e Deus sabe como eu tenho corrido. Eu quis enfrentar o oceano e mudar o curso da vida de tantos. Mas eu não pude: caí de joelhos na areia, choroso, vencido, entregue, dependente, calado. Que não seja feita a minha vontade. Mas isso não significa que não era possível fazer algo! É sempre possível amar...porque as águas do mar sempre voltarão a se lançar com intensidade sobre as rochas da praia. E eu voltei ao hospital.
Lá, me encontrei com Cristo Rei, Senhor em sua Glória, o Poderoso do Universo. Sua presença era nobre e viva. Ele mão estava velado, eu via-O claramente. Ele é um só, mas estava em muitos. Estava sentado, Eternamente sentado em seu trono glorioso. Tronos ladeados por duas rodas que eram movidas pela necessária ajuda de mãos humanas. Fico imaginando que Glória é essa que a gente celebra... só pode ser essa, a Glória de ser com os Seus e tocar a roda da vida.
Ouvia-se línguas estranhas. Eram idiomas que reverberavam numa lógica distinta do português e de outros dialetos conhecidos. Expressões comunicativas mais civilizadas: o toque, o olhar, um barulho. Anunciavam afeto, idioma que às vezes fingimos não saber falar. Geriatria, enfermaria, centro para pessoas com deficiência. Ternura. A energia daquelas águas que banhavam as pedras praianas era inesgotável. Impressionante.
“Eu não sou alcoólatra, um cachaceiro. Eu sou uma pessoa só, sem ajuda. Eu sou um dependente”. “Eu sou o remédio da minha mulher. Se eu pudesse morava aqui no hospital. Fiquei 5 dias fora e ela piorou. Como eu poderia abandonar uma mulher cm quem vivi 33 anos juntos?”. “E quem diz que tudo isso começou de um galinheiro. É um milagre, o milagre da multiplicação do bem”. “Eu quero ir para casa”.
Aberto o livro de rituais, lia-se o curandeirismo: ”e debelada toda a enfermidade seja restabelecida completamente a saúde...”. Incredível. Mentira. Faltou fé. O doente não tocado anunciava a renovação do ciclo da vida. Rezou-se no lugar: “Conceda-lhe consolação e força Senhor”. Amém! Força? Você já olhou o mar a noite? O céu e o mar não têm distinção. Ambos são uma imensidão de horizonte azul escuro de pontos brilhantes que você pode chamar de estrelas ou de barcos, tanto faz, tudo é uno diziam os pré-socráticos e os medievais. E em tudo há movimento.
Parece brincadeira tudo isso. Cenoura e vassoura: brincadeiras de um espetáculo gaiato. Cenoura é microfone. Vassoura é cetro real. E eu não ousaria discordar de crianças no hospital.