domingo, 30 de dezembro de 2018

A Floresta Natalina de Emanuel


Quando Emanuel nasceu, conta-se que ele fora encontrado recém-nascido num galho de árvore, dentro de uma flor aroseada tão grande que as pétalas macias, frágeis e ao mesmo tempo protetoras envolviam por completo o menino que só fora descoberto porque passava por ali um grupo que escutou o seu choro mimoso. Esta fora a única flor gerada por aquela árvore, como se ela tivesse concentrado todo o seu florir naquela amostra unigênita de sua botânica. A flor fechara para nunca mais se abrir depois de ter deitado ao mundo o jovem Emanuel.

A árvore de cuja flor brotou Emanuel era frondosa, de galhos cheios que faziam uma refrescante sombra aos passantes. Pela história do nascimento de Emanuel que corria de boca em boca por ali, chamavam-na de Árvore que dá Vida ou Árvore Mãe. Com o tempo e o costume do povo, falava-se apenas em Árvore da Vida. De fato, não era um árvore qualquer: Ela se destacava em meio as outras pela verdedura e pela energia que inspirava a quem a olhasse de perto. Quando a brisa leve farfalhava seus galhos, ela parecia alegrar-se e o barulho de suas folhas lembrava um canto de amor. O vento acariciava-a e ela zunia docemente em agradecimento.

Emanuel que agora já era um menino, escutara a história de seu nascimento diversas vezes, contada por todos do pequeno vilarejo perto de onde a árvore estava. Já fazia algum tempo que Emanuel decidira ir morar à sombra da Árvore da Vida. Ora, já que lhe diziam que ele brotara da árvore, nada mais justo do que ele morar aos seus pés, pensara. E assim fez: Armou a sua tenda à proteção dos galhos da Árvore da Vida e por ali ficou.

O pequeno Emanuel era conhecido e querido por todos do vilarejo. Ele caminhava até lá todos os dias. Passeava pela praça onde sempre encontrava conhecidos que lhe davam o de comer ou algum dinheiro em troca de pequenas tarefas e trabalhos simples. No fim do dia, ele voltava para a Árvore e, já ao longe, quando avistava os seus primeiros galhos, o seu coração se enchia de alegria. Havia tardes que, enquanto o sol se punha, ele ficava contemplando a Árvore e meditando sobre a história de seu nascimento. Assim, passavam-se os dias do infante Emanuel.   

Certa vez, Emanuel notou lá na copa da Árvore algo diferente de folhas. Era algo com tons de amarelo vivo. Subiu no galho mais baixo e depois trepou-se em uma mais alto até conseguir ver do que se tratava: Era um fruto amareleço de formato violão que Emanuel não conhecia. Ele escalou em outro galho ainda mais alto e logo podia tocar no fruto novo. Colheu-o. Era o primeiro fruto não menino que a árvore dava. Sua superfície era levemente aveludada e acariciável ao toque humano. O cheiro doce e inebriante atiçava o paladar. Emanuel teve vontade de comê-lo e ali mesmo, embrenhado entre as ramas da Árvore da Vida, fartou-se do fruto novo. Pela primeira vez na eternidade saboreou-se dum alimento de suculência tão saciadora. Era uma delícia de fruto que podia ser abocanhado com leveza e que enchia o paladar de tão aquoso que era. Emanuel festejou agradecido pelo novo fruto. Depois, desceu até sua tenda e recostado no tronco da Árvore adormeceu. E sonhou um sonho tão lindo e sagrado que não ousou contar a ninguém sobre as maravilhas dos mistérios insondáveis que vislumbrou naquela noite. Seu coração de menino estava acalentado.

Na manhã seguinte, para sua surpresa, a Árvore da Vida frutificara mais uma meia dúzia de frutos. Emanuel apanhou-os em uma cesta a fim de levá-los para o vilarejo. Lá, distribuiu-os para aqueles que eram mais pobres e famintos, como ele. Naquele dia, porém, Emanuel notou que as pessoas o cumprimentavam dispensando-lhe mais atenção do que o costume e dando-lhe os parabéns. Foi quando lhe caiu na conta que com a colheita do fruto novo, esquecera completamente de que dia era aquele: o dia em que se comemorava o seu nascimento. Emanuel ficou ainda mais contente, pois sabia o que isso significava: era dia de festa. Desde que completara um ano de vida, era costume dos moradores do vilarejo que nesse dia, ao cair da tarde, todo o povo se reunisse em torno do lenhoso tronco da Árvore da Vida, levando velas e lamparinas que penduravam nos galhos para ali celebrarem a vida de Emanuel. Dessa vez, além de toda a comida e bebida trazida por eles, haveria também os novos frutos da Árvore da Vida. E, de fato, a alegria e o encanto com os novos frutos foram tão intensas, que os cantos e danças arrastaram-se noite adentro e os homens e mulheres daquele tempo chamaram aquele festejo de Natal.



Dias depois, Emanuel notou que ao redor da grande Árvore nasceram várias outras pequenas árvores da mesma espécie. Passado alguns meses, rápido como o soprar do vento, elas já não eram mais brotos pequenos, mas sim verdadeiras árvores cujos galhos se encontravam formando um único teto esverdeado sob a cabeça de Emanuel e de quem por lá passasse. Era uma inteira floresta nascida da Árvore da Vida. E apesar das árvores serem todas irmãs, misteriosamente cada uma delas produzia um fruto diferente nas cores e nos sabores. Que floresta adorável essa em que o jovem Emanuel vivia!

Agora, haviam dias em que ele não era mais visto no vilarejo e julgavam que estava na floresta que se alastrava dia a dia. Ainda assim, os viajantes que por lá passavam raramente o encontravam. A floresta era toda silêncio humano. Só os pássaros e o vento nas folhas pareciam cantarolar um perene hino sacro. 

No vilarejo os boatos eram incontestáveis: O festejo do Natal daquele ano ia ser o maior de todos, pois havia agora uma inteira floresta com frutos em abundância para celebrar. Outros moradores de vilarejos mais distantes, peregrinos e até estrangeiros também apareceriam para a festa do Natal que ganhava novas proporções.

De fato, naquele ano, o Natal de Emanuel foi grandioso. Mas com a sua grandeza, aconteceu de um ou outro festeiro, tomados por um instinto egoísta que contradizia o espírito da comemoração do nascimento de Emanuel, armarem-se de instrumentos cortantes a fim de levarem para si árvores do Natal, ferindo a Floresta e a celebração. Eles queriam cultivar as árvores só para si mesmos, privilegiando-se de seus frutos, e os mais vis já almejavam enriquecer com o comércio da frutificação das árvores do Natal. Então, Emanuel que subira em um dos galhos da Árvore da Vida gritou a estes e a todos, proclamando:

- Depõe tuas armas e sê bem-vindo! Cá, à sombra acolhedora da Árvore de Natal, dividimos os frutos desse convívio de fraternidade! É desejo de partilha e de festejo do Reinado Divino! Dá mais um passo, chega mais perto, coma e beba dessa ceia natalina sem nenhuma paga! Inebrie-se com os frutos dessa Árvore de Vida que nos abraça a todos e todas com seus galhos frondosos e frutificados! Entra na roda com a gente e cante um hino natalino que alegra e resfolega o coração de utopia! Que saudades de um mundo melhor!

Fez-se silêncio. E o som do farfalhar das árvores pelo vento, escutado por pessoas saciadas pelos frutos das árvores da Floresta, despertava nos convivas o desejo de cantar cantos e hinos de alegria, os cantos de Natal. E o Reino da festa de Natal vigorava e tudo parecia suficiente.

Outros festeiros de terras longínquas, mais acanhados e discretos, procuraram Emanuel para dizer-lhe o quanto o Natal os repleitavam e do desejo sincero e profundo de poder celebrá-lo novamente em suas terras e lares distantes, pois sabiam que não poderiam voltar à Floresta de Natal. Emanuel escutou-os a todos com compaixão e misericórdia. Ele sabia o que eles queriam e precisavam: levar uma das Árvores de Natal e cultivar a celebração que se realiza ao seu redor. E assim ele lhes concedeu. Mas, na intimidade de seu coração, Emanuel sabia que o tempo da Floresta da Árvore da Vida estava acabando e que ao redor das árvores de seu nascimento nascia agora algo novo e maior: a propagação do Natal.

Aquela noite foi a última em que Emanuel foi visto pelos festejantes do seu Natal. Ele nunca mais apareceu no vilarejo. Alguns dizem que ele permanece na Floresta de Natal e que na época das comemorações natalinas ainda é possível vê-lo dançar enquanto come frutos novos. Outros dizem que ele viaja mundo afora, levando Árvores de Natal e sua celebração de fraternidade e partilha para outros povos e nações. Os mais místicos arriscam dizer que Emanuel faz-se sempre presente toda vez que um punhado de gente se reúne em torno de uma árvore para celebrar o Natal.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

As florestas natalinas das Árvores de Natal



Antes de se popularizar, já São Bonifácio decorava em sua Igreja, por ocasião do Natal, uma “nova” Árvore da Vida (cf. Gn 2,8), sinal do Cristo, novo Adão. Diz um texto bíblico: “No meio da praça e em ambas as margens do rio cresce a Árvore da Vida, frutificando doze vezes por ano, produzindo cada mês o seu fruto, e suas folhas servem para curar as nações” (Ap 22,2). 

Aos poucos, o costume de colocar também dentro de casa um Árvore da Vida – de Natal – ganhou força e hoje é possível imaginar a verdadeira floresta natalina que habita milhões de lares nessa época do ano, como que cumprindo uma profecia bíblica: “As florestas e todas as árvores odoríferas, darão sombra a Israel, por ordem de Deus. Sim, Deus guiará Israel, com alegria, à luz de sua glória, manifestando a misericórdia e a justiça que dele procedem” (Br 5,8-9;  1ª Leitura do 2º Domingo do Advento Ano C). São Árvores que dão sombra a Israel, árvores que aconchegam sob seus galhos o pequeno menino, o filho do Altíssimo; árvores que acolhem na misericórdia e na justiça o Messias esperado, o filho de Davi, filho de Jessé. “Naquele dia, nascerá um galho do tronco de Jessé e, a partir da raiz, surgirá o rebento de uma flor; sobre ele repousará o Espírito do Senhor” (Is 11,1). “Naquele dia, a raiz de Jessé se erguerá como um sinal entre os povos; hão de busca-la as nações, e gloriosa será a sua morada” (Is 11,10). A raiz brotou, o rebento cresceu e de seu tronco de Árvore da Vida fez-se árvore do madeiro da Cruz, donde superabundou a Vida: Jesus é a verdadeira Árvore da Vida - de Natal

O Menino Jesus nascido em pobreza é a semente da justiça que frutifica em Árvore da Vida e vida em abundância (cf. Jo 10,10). “Naqueles dias, naquele tempo, farei brotar de Davi a semente da justiça, que fará valer a lei e a justiça na terra” (Jr 33,15 – 1º Leitura do 1º Domingo do Advento Ano C). Jesus nasce pobre com os pobres, sua humanidade até a raiz assume toda a condição humana, menos o pecado. Ele assume a causa dos empobrecidos e marginalizados e dá a vida em resgate da justiça na terra e da dignidade de todo homem e de toda mulher. O apelo de ver o menino Jesus nos irmãos e irmãs, particularmente os que mais sofrem, ainda é vigente: Em cada criança faminta, sem moradia, afeto e direto à educação e saúde básica está presente o menino Deus feito pobre entre os pobres que clama por uma sombra de Árvore da Vida que lhe dê mais vida.  Árvore de Natal faz-se eloquente convite ao compromisso com a justiça e com a promoção da Vida plena para todos.

O Incrível significado das bolas da árvore de Natal


O tempo do Natal nos coloca numa atmosfera de fraternidade e gratuidade generosas que nos inspiram um estilo de vida mais humano e o sonho de um mundo mais justo e feliz. É a Mística do Natal que aproxima a todos, mesmo os não crentes e aqueles que não comemoram o sentido religioso da data. O “espírito do Natal” nos alcança e inebria. Por isso, hoje, diante da pluralidade em que vivemos, mais do que nunca, é oportuno deixar-se encantar pela rica simbologia natalina que nos toca e une a todos. Resgatá-la em suas origens e revalorizá-la possibilita o encontro de diálogo e partilha da mística envolvente desse tempo natalino.


O “ofertório” das bolas de Natal

Um dos símbolos de Natal mais usados são as bolas da árvore de Natal. Tradicionalmente vermelhas, as bolas de plástico hoje substituem o antigo costume de colocar frutas de verdade na Árvore de Natal, especialmente as maças! De acordo com uma tradição bíblica, frutos da terra e da colheita do trabalho do homem do campo eram ofertados a Deus em louvor pela colheita abençoada: “Trarás à casa do Senhor, teu Deus, as primícias dos frutos do teu solo” (Ex 34,26). Homens e mulheres, trabalhadores simples e humildes, como os pastores que na narrativa bíblica visitam Jesus, ofereciam o fruto de seu trabalho e da mãe terra ao Deus da Vida.  

De fato, isso é tão verdade que ainda hoje isso acontece. Estive no Paraguai em 2017, em cidades do interior e na grande cidade de Encarnación e vi por lá muitas frutas depositadas aos pés de presépios, especialmente melancias que são abundantes nessa época. A atitude que está por trás desse gesto é só uma: gratidão. É o exercício de agradecer os “frutos” recebidos da Vida. Gesto esse que ainda pode ser repetido por nós. Frutas nas árvores de Natal têm haver com ofertório! Na Europa as maças decoravam a árvore de Natal – sinal da Árvore da Vida – num gesto de agradecimento pela nova frutificação, o dom da Vida do Menino Deus que se fez homem por nós.

Na Catedral de Encarnación as frutas eram de plástico porque o presépio ficava exposto no pátio em frente à Igreja e as frutas logo poderiam apodrecer. Hoje, as bolas de plástico coloridas substituíram os diversos tipos de frutas. Porém, o convite à atitude de agradecer os frutos colhidos permanece. Decorar a Árvore de Natal com bolas coloridas pode ser um gesto de recordação da vida em agradecimento por tudo de bom que a vida é e tem. Cada bola um agradecimento. Cada bola, um desejo expresso de um fruto que ainda precisa ser colhido. Cada bola, uma prece. 

Em algumas igrejas, as famílias trazem uma bola de natal para decorar o entorno do presépio ou a Árvore de Natal da comunidade. Esse gesto é feito no ofertório ou durante as preces dos fiéis, com um canto apropriado.        

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

As dinâmicas na ou da Catequese? Refletindo métodos e técnicas na educação da fé

texto de Suzana Costa Coutinho
Educadora

          
  É comum, nos vários encontros, reuniões e cursos que participamos junto a catequistas e outras lideranças comunitárias e eclesiais, ouvirmos a demanda por capacitações sobre dinâmicas, para “animar” os encontros, cursos e outros eventos na comunidade ou no grupo. É comum, também, ouvirmos que se terá “momentos de animações”, ou uma “equipe para animar” tal evento. Esta reflexão quer trazer elementos que nos ajudem a entender o que são as dinâmicas e sua relação com a atividade catequética.
            O conceito de dinâmica muito comum entre as pessoas é de uma ação ou atividade que faça mover, que “anime”. Há pessoas que preparam seus encontros, cursos e reuniões de forma a ter vários momentos com muitas “dinâmicas”. Se refletirmos um pouco mais, vamos percebendo que, por trás desses conceitos, está a ideia de que dinâmica é algo a parte, inserido para movimentar outra coisa. Pois bem: a palavra dinâmica realmente significa “movimento”, algo que faz “explodir” para mover (dínamo, dinamite...).
            Quando pensamos num encontro catequético, podemos nos perguntar: que dinâmica ele terá? Ou: que dinâmicas vou usar? São perguntas diferentes com concepções de dinâmica diferentes. Na primeira, estamos falando de “método”, ou seja, de um ciclo, de um roteiro que faça o encontro “caminhar”, mover-se de um determinado ponto até outro que desejo (meu objetivo no encontro). Na segunda pergunta, estamos falando de técnicas, de atividades dentro do roteiro que nos ajudem a “animar” o encontro. São duas perguntas válidas, mas que só terão força se forem feitas juntas. Ou seja, para falar de dinâmica na Catequese, precisamos pensar o “método” catequético e, dentro dele, as técnicas que iremos utilizar para dar “vida” ao método.


1. O método é a dinâmica da catequese

            Como a catequese se move? Ao fazer esta pergunta estamos querendo saber qual a dinâmica da catequese. Os documentos da Igreja sobre a Catequese falam de um jeito de catequizar, um jeito de ser da catequese. Este jeito significa sua identidade, que a faz única e, ao mesmo tempo, integrante das outras ações ou dimensões evangelizadoras da Igreja. Portanto, reconhecem que há uma dinâmica própria da catequese, que se expressa como uma ação educativa da fé. Desta forma, o documento Catequese Renovada afirma que Catequese é um processo dinâmico de educação da fé, um itinerário e não apenas instrução.
Como processo educativo, qual método seguir? Partimos de alguns fundamentos pedagógicos importantes para a ação catequética. Primeiro, ter presente que as atividades devem ser adaptadas à psicologia dos/as educandos/as, ao ambiente social em que vivem e interagem, aos objetivos da ação e aos conteúdos que devem ser apreendidos e interiorizados. Segundo, que educação é processo de duas mãos: o aprender e o ensinar, e que esse processo deve ocorrer de forma dialógica, ou seja, entre sujeitos (educador/a e educando/a) e não de um sobre o outro.
Embora a pedagogia seja grande aliada da Catequese, ela sozinha não garante um processo de educação da fé. Por isso, o documento Catequese Renovada ajuda a compreender o método catequético a partir da ação de Deus Trino e da própria Igreja:
a)    O modo de proceder de Deus Pai na história (cf. Salmo 103,3-6) que se revela de diversos modos e comunica-se através dos acontecimentos da vida do povo (PARTE DA REALIDADE das pessoas);
b)    O modo de proceder de Jesus que, por meio da sua vida, palavras, sinais e atitudes, leva à plenitude a Revelação Divina. O Filho que acolhe, anuncia, convida, envia, chama a atenção às necessidades e para a reflexão sobre a mudança, tem linguagem simples e firmeza diante das tentações;
c)     A ação do Espírito Santo, “Mestre interior”, que impulsiona para o conhecimento intelectual e a experiência amorosa, para uma experiência existencial (pessoal e comunitária de Deus) fundamentada no amor; que leva ao anúncio da verdade revelada, cria meios para a comunhão filial com Deus, a construção da comunidade de irmãos, o estabelecimento da justiça, da solidariedade e da fraternidade;
d)    O modo de proceder da Igreja, como Mãe e educadora da fé.

Portanto, a dinâmica da Catequese deve ser aquela que impulsiona a pessoa a aderir livre e totalmente a Deus, a introduz no conhecimento vivo da Palavra de Deus e a ajuda no discernimento vocacional para a vida na Igreja e na sociedade. Para isso, considera que é preciso viver o clima de acolhimento e docilidade ao dom do Espírito Santo, promover um ambiente espiritual de oração e recolhimento, pronunciar a palavra com autoridade e fortaleza e incentivar a participação ativa dos catequizandos.
Na caminhada da Igreja, principalmente na América Latina, a Catequese vai se identificar com o método pastoral “VER-ILUMINAR-AGIR”, ao qual vai incluir “CELEBRAR-AVALIAR”. E vai afirmar o método como passos que não são estanques, mas um processo dinâmico.
Assim, o “VER” propõe ser um olhar crítico e concreto a partir da realidade da pessoa, dos acontecimentos e dos fatos da vida, como disse Jesus, para saber discernir “os sinais dos tempos”. Nem todos já têm esse olhar crítico, por isso, é preciso ouvir as pessoas, a partir de suas visões de mundo, ajudando-as a ampliar sua capacidade de analisar a realidade.
Para ajudar nessa “ampliação” do olhar, vem o segundo passo, que é o “ILUMINAR”. Este é o momento de escutar a Palavra de Deus. Este “escutar” implica reflexão e estudo que iluminam a realidade, questionando-a pessoal e comunitariamente. Também é uma busca de conversão contínua para realizar a vontade do Pai. Momento de abertura ao Espírito Santo, com a escuta orante da Palavra, com uma atitude contemplativa e fidelidade à mesma Palavra, à Tradição e ao Magistério. São passos necessários para esse momento: descobrir a ligação da caminhada com a mensagem evangélica; fazer o confronto da realidade com as exigências da proposta de salvação anunciada por Cristo e buscar o discernimento em vista da organização de uma ação transformadora.
Chega-se, desta forma, no terceiro momento: o “AGIR”. Momento de tomar decisões, orientando a vida na direção das exigências do projeto de Deus. Também é o tempo de vivenciar e assumir conscientemente o compromisso e dar as necessárias respostas para a renovação da Igreja e transformação da realidade. Este passo exige: confiança em Deus, coerência entre fé e vida e fortaleza para acolher as mudanças necessárias na sociedade e na vida pessoal. O AGIR é compromisso de viver como irmãos, de promover integralmente as pessoas e as comunidades, de servir os mais necessitados, de lutar por justiça e paz, de denunciar profeticamente e de transformar evangelicamente as estruturas e as situações desumanas, buscando o bem comum.
CELEBRAR e AVALIAR podem e devem estar presentes nos outros momentos. Celebrar a realidade, celebrar a Palavra, celebrar a ação. Avaliar como vemos a realidade, como agimos diante da Palavra, como atuamos na nossa vida pessoal, comunitária, eclesial e social. Celebrar e avaliar também a caminhada catequética, os encontros, as fases, as turmas, as vivências catequéticas.


2. As dinâmicas dentro do método catequético

Na ação educativa deve-se considerar as qualidades das experiências de aprendizagem ou as atividades propostas em cada fase do método a ser adotado, ou seja, das técnicas que serão utilizadas para dar vida ao método. Ao escolher uma “técnica” a ser utilizada com o grupo, busca-se levar em conta sua diversidade, de forma que todos os/as educandos/as participem. Há os que gostam mais de cantar, outros/as que gostam mais de ler, outros/as ainda de desenhar ou escrever, ou ainda de atividades de grupo. A diversidade também evitará a monotonia que pode levar ao cansaço e à falta de motivação.
Por mais “divertidas”, alegres e entusiasmadas que sejam as técnicas, deve-se ter o cuidado para que elas sejam, de fato, coerentes com o tema e com os valores do Evangelho. A técnica não é um acessório, mas é parte integrante do processo catequético. Por isso também deve ser adequada ao interesse e às capacidades dos/as educandos/as-catequizandos/as, e ser significativa, próxima ao seu mundo, às suas preocupações, à sua vida (tem que fazer sentido!).
Para a tarefa educativa, o/a educador/a-catequista pode contar com técnicas didáticas, lúdicas, operativas e celebrativas. No entanto, pode-se dizer que o problema das técnicas ou dinâmicas, ou ainda atividades, não consiste tanto em ter mais ou menos imaginação e criatividade, mas numa coerência, que se expressa na seleção e organização que corresponda com os objetivos da Catequese.
            Nesta diversidade, as atividades lúdicas, por exemplo, não servem apenas para “brincar” ou passar o tempo de forma divertida. A brincadeira não só ajuda a aprender, como fortalece os laços entre as pessoas e aprimora habilidades. São consideradas técnicas, ou dinâmicas lúdicas: desenho, jogos, danças, construção coletiva, leituras, softwares educativos, passeios, dramatizações, cantos, teatro de fantoches, contar histórias, etc.
Sobre os jogos, vale ressaltar que as propostas devem ser fundamentadas nos valores cristãos da vivência e da partilha comunitárias e não da competição e exclusão. Por isso, ressalta-se a validade dos chamados “jogos cooperativos”, onde todos buscam um objetivo comum, sem competição. Nos Jogos Cooperativos não há lugar para a exclusão nem para “melhores” ou “piores”, mas com eles se aprende a considerar o outro como parceiro e solidário, a ter consciência dos sentimentos e a valorizar as diferenças, a desenvolver a empatia e a capacidade de trabalhar para interesses coletivos, priorizando a integridade de todos.
Em relação aos meios de comunicação social (jornal, rádio, TV, revistas, cinema etc.), têm-se várias possibilidades. Uma delas é a do uso dos meios para divulgar a boa nova de Jesus, educar as comunidades, servir ao bem-comum e como espaço para a vivência da cultura própria etc. A outra é a de educar para os meios, ajudando as pessoas a discernir entre o que é construtivo e o que não é - educar para a recepção dos meios.
Para isso, podem-se utilizar filmes e documentários com vários temas que levantem as questões e problemas humanos. Isso pode ser feito por meio de fichas de estudo, debates, painéis, mural, releitura evangélica etc. Os jornais e revistas trazem notícias, charges, caricaturas, HQ e anúncios. Com eles, é possível discutir a linguagem da mídia, a sedução para o consumo, como são tratados os diversos temas, o que é fato e o que é opinião. Podem ser elaborados cartazes, debates, mural, painéis. Ou ainda, pode ser feita a produção de um jornal da turma: que notícias gostaríamos de dar ao mundo? Que notícias damos hoje de nossa realidade (familiar, comunitária, eclesial?).
Em relação à música, pode-se aproveitá-la dentro dos encontros, não só para animá-los, mas também para analisar a letra e os questionamentos que os artistas fazem da realidade, com seus valores e contra-valores.
Com discernimento e a experiência vivida e partilhada entre os/as catequistas, vai-se aprendendo novas técnicas, novas dinâmicas, ou a dar novo sentido a técnicas já utilizadas, renovando-as, integrando-as, complementando-as. É possível, inclusive, classificar as dinâmicas segundo as funções que elas podem ajudar a desenvolver: dinâmicas de apresentação, acolhida e integração do grupo; dinâmicas de estudo; dinâmicas de planejamento e de avaliação; dinâmicas para a celebração, entre outras.


3. Como organizar as dinâmicas para o encontro catequético

Tendo como “caminho” de educação da fé o método “Ver – Iluminar – Agir – Celebrar – Avaliar”, o/a catequista buscará as técnicas necessárias para cada momento, dando “vida” ao método. Para ajudar nesta tarefa, convidamos para que a prática de Jesus nos ilumine, refletindo sobre o seu encontro com a samaritana (Jô 4, 1-30) e com os discípulos de Emaús (Lc 24, 13-35). Seja na beira do poço ou no caminho para o vilarejo fora de Jerusalém, Jesus:
1.    Aproxima-se: cria empatia, confiança; relaciona-se, colocando em primazia a pessoa, valorizando-a. Pergunta, ouve, deixa falar, insiste, provoca. Estabelece relacionamento profundo.
2.    Detecta a realidade: dialoga sobre a realidade, ouve a versão que a pessoa tem, questiona, procura esclarecimentos.
3.    Ilumina com a Palavra de Deus: Jesus apresenta pistas de como a pessoa vai perceber, à luz da Palavra, o que está nos acontecimentos. Ensina, mas com unção, amor, vibração.
4.    Provoca clima de oração: “Senhor, dá-me desta água viva!”, reza a Samaritana. “Fica conosco, Senhor, pois a tarde está avançada!”, rezam os discípulos de Emaús.
5.    Celebra junto: partilha a vida, a Palavra, a prece e a refeição. Eucaristia! É na partilha que o Senhor se manifesta.
6.    Conversão: Ao longo do processo, há constante interação entre a Palavra e a vida. Reconhece-se que algo está mudado, é novo. Sente-se o coração arder e vontade de agir.
7.    Ação: a Samaritana vai ao povo falar de Jesus. Os discípulos voltam a Jerusalém. É a dimensão missionária da fé. É a fé que age em forma de amor.

Em outras palavras, a organização do encontro catequético pode e deve contar com dinâmicas que propiciem:
1.    Acolhida: quando as pessoas interagem, colocando-se em diálogo; criam laços.
2.    Ver a realidade: deixar as pessoas falarem do que sabem sobre o tema proposto, levantar questões e problematizar as visões que se tem.
3.    Iluminar-se pela Palavra: ouvir e refletir a Palavra de Deus e os documentos da Igreja, criando um maior conhecimento, a partir dos valores do Reino, sobre o fato, o tema debatido.
4.    Rezar a vida e a fé: a Palavra de Deus nos convida à oração que pode ser espontânea, ou preparada, com símbolos e ritos que nos permitem fortalecer nossa espiritualidade.
5.    Propor-se à mudança: dinâmicas que ajudem a propor e a vivenciar compromissos, seja durante os encontros, seja em outros momentos, mas que essa mudança ocupe nossas vidas e seja manifestação do desejo de viver os valores do Reino.

Diante de tantas possibilidades, da criatividade dos/as catequistas, de suas experiências, de materiais que subsidiam a ação catequética, com recursos de todos os jeitos (mais ou menos tecnológicos, complexos, simples, coletivos, emprestados, copiados, inventados, comprados) e, principalmente, da ação do Espírito que impulsiona para a missão, é possível dinamizar a catequese, porque se parte da vida, se deixa iluminar pela Palavra e se coloca em ação. Sem a dinâmica que lhe é própria, qualquer recurso para a Catequese se perde, todas as forças se esvaziam, as motivações são facilmente desfeitas.
Para encerrar este ponto da conversa, destacamos aqui um trecho do texto que Ir. Vera Bombonatto apresentou na 3ª Semana Brasileira de Catequese: “Ser cristão é entrar no movimento da vida de Jesus que armou sua tenda entre os pobres e excluídos deste mundo, anunciando-lhes a boa-nova do Reino, que passa pela cruz, mas não termina nela e sim na ressurreição”.
As dinâmicas e técnicas são algumas propostas. A grande proposta é o seguimento e o discipulado de Jesus. Este horizonte jamais poderá ser esquecido, porque é este o centro da Catequese. Tudo o mais é mutável, transferível, adaptável, reciclável...



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

ALBERICH, E. Catequese evangelizadora. Manual de Catequética Fundamental. São Paulo: Salesiana, 2004.

BOMBONATTO, Vera I. Discípulos missionários hoje. Catequese, caminho para o discipulado. 3ª Semana Brasileira de Catequese. Itaici, SP: Comissão Episcopal Pastoral para a Animação Bíblico-Catequética, 2009.

CNBB. Catequese Renovada. Documento 26. São Paulo: Paulinas, 1983.

______. É hora de mudança! Planejamento pastoral dentro do Projeto RNM. São Paulo: Paulinas, 1998.

______. Diretório Nacional de Catequese. Documento 84. São Paulo: Paulinas, 2006.

DIOCESE de Osasco. Metodologia Fé e Vida caminham juntas na comunidade. Cadernos Catequéticos, n. 9. São Paulo: Paulus, 1998.

KESTERING, Juventino. Elementos de metodologia de uma catequese libertadora. Revista de Catequese. n. 82. 1998, p. 47-52.

PAIVA, Vanildo de. Catequese e liturgia, duas faces do mesmo mistério – Reflexões e sugestões para a interação entre Catequese e Liturgia. São Paulo: Paulus, 2008. (Coleção Catequese).

PIMENTA, Ivan Teófilo. Linhas metodológicas de uma catequese libertadora. Revista de Catequese. n. 23. 1983, p. 27-35.



sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Flamula Laranja


Olho daqui de cima com a flanela na mão, da janela dos andares desse prédio, dos vidros que serão olhados se eu limpei. É a aparência o que importa! Gostam do esmero exterior. Eu limpo a sujeira deles.

Flanela agitada flamejando velozmente na transparência do vidro. O sol bate forte e alaranjante enquanto esfrego para me livrar de toda a sujeira que impede que eu veja além...O que vejo do outro lado? Vejo no meu reflexo o suor pingar-me qual água pura de bica. Água transformada em vinho, fez meu Jesus. Suor e calor transformados em pão para os filhos, faz a doméstica milagrosa.

 Aquele tecido inquieto, com movimentos tão perfeitos, meticulosamente ordenados são uma verdadeira sinfonia tocada à transparência do vidro. Toda limpeza de vidro é uma orquestra. Toda Faxineira é Maestra. E o som do pano esfregado contra a superfície lisa é canto dia e noite Cinderella que não chora, mas esfrega.

Socorre-me de minha mesquinhez e abana-me tua flamula benta, ó Santas Mulheres!



quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Meu voto para presidente

Algumas pessoas me perguntaram em quem eu vou votar. Resolvi que vou dar a minha opinião. Não vou cair no infantilismo dessa gritaria virtual e excluir contatos das redes sociais por causa de uma divergência política. Eu vou apenas dizer o que penso. 
Meu candidato para a presidência do país no 1º turno está fora da disputa no 2º turno. Era Geraldo Alckmin (PSDB). Não morro de amores por ele. A verdade é que, diante dos candidatos, ele, que foi governador de São Paulo, me parecia a melhor opção. 2º turno temos o arrogante PT e o "Messias" Bolsonaro (PSL). Triste.
Seja como for, quero falar com você que é católico e vai votar. Quem me conhece, sabe o quanto eu aprecio o trabalho da CNBB (Conferência dos Bispos do Brasil). Acompanho os seus escritos, documentos e estudos desde que estava no ensino médio. Meu compromisso enquanto cristão com a Igreja - e mesmo o despertar de minha vocação em muito devo a leitura e escuta atenta do Magistério local. Busco orientar o meu agir eclesial e cristão a partir das Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja No Brasil - sempre promulgadas pela CNBB - igualmente me guio pelo Magistério do Episcopado Latino-Americano (CELAM) e pelo Magistério Universal (Santa Sé e documentos pontifícios). Sou católico e vivo a minha fé, mesmo que, por vezes, eu seja criticado pelo gosto e pela proximidade que tenho pelos documentos eclesiais e de modo particular pela CNBB. 

É por isso que fiquei consternado quando vi que Jair Bolsonaro ofendeu a CNBB chamando-a de parte podre da Igreja: https://www.youtube.com/watch?v=49_yJ8li34k   -  http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/583781-bolsonaro-sobre-os-bispos-brasileiros-eles-sao-a-parte-podre-da-igreja-catolica  - Não quero esse homem como presidente e acho que os católicos também não deveriam querer alguém que fala assim de seus bispos. 

Alguns talvez saibam ano passado estive morando em Sinop (MT) e pude conhecer de perto o trabalho do CIMI (Conselho Indigenista Missionário), participei do julgamento do caso do assassinato do Ir. Vicente Canãs, SJ que morreu defendendo os índios daquela região e até pude participar de uma perícia em uma aldeia indígena ... eu contei isso aqui: http://joaomelo10.blogspot.com/2017/12/do-cativeiro-ao-presente-de-despedida.html   - Jair Bolsonaro ofendeu o CIMI também... que é uma organização católica que busca garantir que os indígenas tenham os seus direitos básicos atendidos. Depois de ter vivido um ano no Mato Grosso e ter visto e vivido de perto o trabalho do CIMI na defesa dos indígenas, eu não posso concordar com a afirmação de Jair Bolsonaro de que o CIMI é a parte podre da Igreja. Não quero esse homem como presidente e acho que os católicos também não deveriam querer alguém que fala assim do trabalho da Igreja na defesa dos povos indígenas. 

CNBB  e CIMI são duas das entidades que fazem parte da REPAM (Rede Eclesial Pan-Amazônica) que está articulando, a pedido do papa Francisco, o Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia: https://www.youtube.com/watch?v=W5AMCIBO3hE – Para quem é católico e já não tem o costume de ler os documentos da CNBB e não sabe o que é um Sínodo dos Bispos, aconselho pelo menos ler a Constituição Apostólica Episcopalis Communio Sobre o Sínodo Dos Bispos: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/apost_constitutions/documents/papa-francesco_costituzione-ap_20180915_episcopalis-communio.html - CNBB  e CIMI são duas entidades essenciais na realização da ação ordinária da Santa Sé, isto é, o Sínodo dos Bispos.
A temática está em torno do cuidado da casa comum, tema da Carta Encíclica Laudato Si’ do Santo Padre Francisco: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html  - Enquanto isso, Jair Bolsonaro defende a  fusão dos ministérios da agricultura e meio ambiente –apesar que agora que está querendo voltar atrás https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/noticia/2018/10/18/bolsonaro-defende-juntar-ministerios-da-agricultura-e-do-meio-ambiente-e-se-diz-preocupado-com-questoes-ambientais.ghtml  - Não quero esse homem como presidente e acho que os católicos também não deveriam querer alguém que demonstra pouco interesse no cuidado com a casa comum – cuidado  tão insistido pelo papa Francisco. 
Esse ano estou participando da Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Feira de Santana (BA). Vejo cada vez que visito um pavilhão da cadeia o que é a realidade de um preso daqui. Urge Direitos Humanos para que o ambiente em que eles estão confinados possa oferecer as condições adequadas para a ressocialização dos presos... Função primeira do sistema penitenciário brasileiro que, na verdade, está falido. Não precisamos de mais violência nos presídios, ou de mais presídios... Precisamos de humanização dos complexos prisionais que existem a fim de humanizar quem por lá passa. Os Diretos Humanos lutam  por  isso. Por outro lado, Jair Bolsonaro quer boicotar a atuação dos Direitos Humanos que ele diz defender bandido: https://www.valor.com.br/politica/5934943/bolsonaro-esta-equivocado-sobre-direitos-humanos-diz-procurador - Não quero esse homem como presidente e acho que os católicos também não deveriam querer alguém que demonstra não conhecer nada da realidade prisional do país que pretende governar  –a maior parte das pessoas que concordam com ele também não sabem como é um presídio. Lástima.
Quem me conhece sabe que eu nunca fui e não sou petista. Para não dizer que nunca, votei uma vez no senador Eduardo Suplicy em SP. Só. Não defendo o voto no PT.
Nessas eleições, eu concordo com o Mano Brown quando diz que o PT não fala com o povão da periferia mais:  https://epoca.globo.com/mano-brown-acaba-com-clima-festivo-em-ato-do-pt-23183740 - Eu concordo com Luciano Huck quando diz que é lamentável que sejam esses os dois candidatos a chegarem ao 2º turno: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/luciano-huck-sigo-aqui.shtml - Eu concordo com Caetano Veloso quando defende o Mano Brown e diz que o brasileiro está polarizado. Eu concordo com FHC quando diz que Jair Bolsonaro é um muro e Haddad uma porta enferrujada de um partido que não faz autocrítica.
Seja como for, no fim das contas, eu estou ainda com o PSDB. Não com o Doria de SP – desesperado para ganhar brigou com Alckmin e correu pra apoiar Bolsonaro - , mas com o FHC, o Alberto Goldman que declarou voto no Haddad: https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/10/24/goldman-declara-apoio-haddad.htm e com a ala do PSDB conhecida como Esquerda Pra Valer https://www.boletimdaliberdade.com.br/2018/10/13/corrente-esquerda-pra-valer-do-psdb-declara-apoio-a-fernando-haddad/  - https://www.esquerdapravaler.com.br/ -  MEU VOTO NÃO É PETISTA. MEU VOTO É ANTI-BOLSONARO.

Esquerda não é coisa de comunista. Comunismo não existe no Brasil, só em Cuba, Coréia do Norte, China mais ou menos.... 

 O verdadeiro perigo é Bolsonaro. E eu ainda acho que os católicos deveriam saber disso. Mas respeito a sua divergência. 

Tenho uma confissão a fazer..... disse tudo isso mas a verdade é que ... vou justificar o voto, estou fora da minha zona eleitoral. Valeu a reflexão!



quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Ondas do Hospital Irmã Dulce


Sentado à mureta olhava as ondas do mar açoitarem os rochedos da praia. Era até confortável permanecer por ali, em cima do muro. Mas a sola dos pés experimentavam um vento que acariciava liberdade inquieta, como criança que balança as pernas sem tocar o chão. Em cima do muro, sem chão e com desejos que borbulhavam a cada nova onda que quebrava nas pedras. Fez-se silêncio no restante do mundo inteiro. Só era possível ouvir o estrondo brutal das águas lambendo aquelas rochas impassíveis. Quanta força naquelas ondas! O que as agitam dessa maneira? E nesse instante, o sangue é água do mar; e uma enseada de pensamentos é cuspida pelo oceano de sentimentos que nadam à braçadas na interioridade. E tudo que mais se quer é sair de cima do muro, pular água adentro e unir-se ao arrebentar da maré. Quanta estupidez! Todo aquele exagero de força batendo nas rochas e... nada, as pedras continuam lá, em suas firmezas. E as águas voltam a insistir outra vez. Que desperdício! Ninguém precisa de sua força inútil! Então Stuart Mill estava certo e as coisas valem pelo utilitarismo que elas têm? E amar é útil? E ser amado é útil?
Desci do muro e fui para o hospital da Irmã Dulce colhendo conchas...colchas de retalhos para costurar a minha humanidade. Usei lençóis azuis, todos eles repetidos e com a mesma frase bordada: ”Obras Sociais Irmã Dulce”. Em cada retalho um pedaço rasgado e amado de vida.
“Tudo que vai com Deus e com fé, vai bem”, repetia Santa Dulce dos Pobres, enquanto nos olhava numa presença que não sei explicar, mas sentia.
No jardim do hospital, gente de nome florido que na flor da idade tinha uma filha que no botão da idade já tinha desabrochado outra criança que perdera o pai assassinado naqueles dias. Nesse canteiro, o espinho é o câncer. Mas esse jardim de mulheres e homens teima em primaverar. Quanta força nessa maré! Qual a fonte que agita esse oceano de garra?
Passei uma semana aí colhendo dores de um sofrimento imerecido, dilacerante e injusto. Protesto! Por que aquelas pessoas sofrem tanto? Por que o sofrimento? E não houve resposta que cala-se a dor. 93 anos é idade de fazer quimioterapia? Família é coisa que dá vontade para viver. Solidão é coisa que dá vontade de morrer. Você tem medo da morte? Sussurra uma voz carente de afago. Me deixe em paz a senhora e o diabo das suas perguntas! Não quero dizer o que sinto. Não dou meus porcos famintos para comer as pérolas alheias. Lanço meus porcos precipício abaixo, mar adentro para que se calem. Protejo as suas pérolas. Engulo solenemente cada detalhe de sua história. Escuto atentamente. Amo-te com a presença do olhar. Mas “os olhos mentem a dor da gente”, canta o poeta. Na verdade, os olhos gritam. O olhar entrega e se entrega no anseio de colo e de força. Que desperdício de força nessa torrente d´agua que bate às pedras da praia. Para que essa força? Amar é útil? Quando o olhar lhe disser que está com medo, mesmo que a boca diga o contrário, ame mesmo... e ame com força! O amor é resposta generosa ao sofrimento. E peque sem matéria contra a tradicional castidade: Beije os corpos que encontrar no jardim do paraíso hospitalar. Ame e deixe-se amar com coragem e generosidade.
Na brisa leve das manhã e nas tardes sôfregas de Salvador, passeei no jardim da oncologia para encontrar o Cristo que quer vida em abundância.
Eu quis gritar e eu gritei. Eu quis sair correndo, e Deus sabe como eu tenho corrido. Eu quis enfrentar o oceano e mudar o curso da vida de tantos. Mas eu não pude: caí de joelhos na areia, choroso, vencido, entregue, dependente, calado. Que não seja feita a minha vontade. Mas isso não significa que não era possível fazer algo! É sempre possível amar...porque as águas do mar sempre voltarão a se lançar com intensidade sobre as rochas da praia. E eu voltei ao hospital.
Lá, me encontrei com Cristo Rei, Senhor em sua Glória, o Poderoso do Universo. Sua presença era nobre e viva. Ele mão estava velado, eu via-O claramente. Ele é um só, mas estava em muitos. Estava sentado, Eternamente sentado em seu trono glorioso. Tronos ladeados por duas rodas que eram movidas pela necessária ajuda de mãos humanas. Fico imaginando que Glória é essa que a gente celebra... só pode ser essa, a Glória de ser com os Seus e tocar a roda da vida.
Ouvia-se línguas estranhas. Eram idiomas que reverberavam numa lógica distinta do português e de outros dialetos conhecidos. Expressões comunicativas mais civilizadas: o toque, o olhar, um barulho. Anunciavam afeto, idioma que às vezes fingimos não saber falar. Geriatria, enfermaria, centro para pessoas com deficiência. Ternura. A energia daquelas águas que banhavam as pedras praianas era inesgotável. Impressionante.
“Eu não sou alcoólatra, um cachaceiro. Eu sou uma pessoa só, sem ajuda. Eu sou um dependente”. “Eu sou o remédio da minha mulher. Se eu pudesse morava aqui no hospital. Fiquei 5 dias fora e ela piorou. Como eu poderia abandonar uma mulher cm quem vivi 33 anos juntos?”. “E quem diz que tudo isso começou de um galinheiro. É um milagre, o milagre da multiplicação do bem”. “Eu quero ir para casa”.
Aberto o livro de rituais, lia-se o curandeirismo: ”e debelada toda a enfermidade seja restabelecida completamente a saúde...”. Incredível. Mentira. Faltou fé. O doente não tocado anunciava a renovação do ciclo da vida. Rezou-se no lugar: “Conceda-lhe consolação e força Senhor”. Amém! Força? Você já olhou o mar a noite? O céu e o mar não têm distinção. Ambos são uma imensidão de horizonte azul escuro de pontos brilhantes que você pode chamar de estrelas ou de barcos, tanto faz, tudo é uno diziam os pré-socráticos e os medievais. E em tudo há movimento.
Parece brincadeira tudo isso. Cenoura e vassoura: brincadeiras de um espetáculo gaiato. Cenoura é microfone. Vassoura é cetro real. E eu não ousaria discordar de crianças no hospital.


sábado, 25 de agosto de 2018

QUEM É O CATEQUISTA?


O catequista não é professor. É alguém que como o profeta Jeremias, foi seduzido pelo Senhor porque deixou-se seduzir por Ele (cf. Jr 20,7). Não é um profissional dotado de vários conhecimentos. É alguém que responde a um chamado de Deus, que abraça a sua vocação e no nome da Igreja, enviado em missão, anuncia a alegria do encontro com Jesus Cristo!

O catequista não tem alunos. Ele se faz caminhante com os iniciandos porque vê neles, como vê em si mesmo, almas sedentas de Deus (cf. Sl 63) que querem beber da fonte divina. Ele os conduz pela experiência de fé aos mistérios dos sacramentos.

O catequista não dá aula. Ele oportuniza encontros onde, juntos, catequistas e iniciandos se ajudam a distinguir o que é da vontade de Deus, isto é, o que é bom e o que não é (cf. Rm 12,2). É alguém que ensina pra viver o Reino de Deus no hoje da vida.

O catequista é antes de tudo, alguém que conhece Jesus, é alguém consciente da realidade. Ele sabe que todo sofrimento e morte é seguido de ressurreição, é Páscoa (cf. Mt 16, 21)! Por isso, ele mostra que seguir Jesus é renúncia de si mesmo, é atitude de posse da cruz da vida, mas é sobretudo seguimento que resultará em Vida Eterna (cf. Mt 16, 24.27).

O catequista é aquele que faz discípulos missionários para Jesus, porque sabe que é assim que a salvação de Deus os alcança!

domingo, 19 de agosto de 2018

DESPERTA MARIA



Desperta Maria de Tua Dormição!

Acorda e partilha teus sonhos de juventude comigo
Dá-me um sonho dormido por Tu e eu terei desejo de manter-me acordado ó Maria
Canta-me numa canção de ninar as maravilhas que o Senhor realiza pelos seus
Vigia comigo Mãe Maria e cubra-me com seu abraço de manto protetor
Contempla comigo a noite de céu estrelado que adorna a Tua coroa
Lança-me uma estrela cadente para me indicar o caminho a trilhar na noite escura sem teu luar
Suba vós, Ó Assunta Maria, e leva contigo as dormidas mulheres desse vale de lágrimas
Suba vós, Ó Gloriosa Maria, e leva pra longe a sonolência depressiva que afugenta a energia de fazer dos sonhos realidade
Lhe peço...

Ajuda teu povo a sonhar, Rainha Maria!

sexta-feira, 17 de agosto de 2018

SOLIDÃO CASADA


Resultado de imagem para solidão casadaQuem puder entender entenda:
El@ é compromisso que contraiu união estável com o divórcio.
El@ é prostitut@ do casamento na Igreja de Santo Antônio dos Encalhados
El@ é separad@ do sofrimento da violência nupcial da união instável
El@ é desquitad@ do bordão de que os opostos se atraem para sempre
El@ é ficante de segunda união que não pode comungar na fila dos adúlteros enrustidos
El@ comeu bem-casado na festa da noite de consumação do matrimônio
El@ atualizou seu perfil com fotos fingidas de “em um relacionamento sério” que vai morrer antes que a morte os separe
El@ foi morar junto da solidão que crê no felizes para sempre
El@ pagou caro no casamento nulo que a Igreja abençoou
El@ namorou quando era noiv@ de amizade colorida
El@ reivindica que família é galera amasiad@
Nem todos são capazes de entender isso. E todos são capazes de julgar isso?  
Quem puder entender entenda.
(cf. Mateus 19,3-12)

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Errar é humano ou errar desumaniza?


Responda errado, por favor, e depois me conte se sente-se mais humano ou mais desumanizado...porque essa pergunta martela minha mente escrupulosa de relativismo. Credo! É como maldição lançada sobre mim por ter perguntado: É errado perguntar sobre o que é errado?
Agora é tarde! Eu gritei essa pergunta ecoada setenta vezes sete vezes aos oráculos das verdades que conheço.


E a resposta tem gosto de perdão com preço a ser pago de enorme fortuna de dívida.
E a resposta foi desumanizada, que nem errar... e tão esperada, que era humana, que nem errar... E passei a achar que errar é natural... e sobre isso, naturalmente, estava errado... e ainda bem que eu erro!
(cf. Mt 18,21-19,1)

terça-feira, 14 de agosto de 2018

OVELHAS NAS MONTANHAS


Há ovelhas nas montanhas.
Ovelhas nas noites frias de alturas geográficas.
Dizem que Deus manda subir monte e montanhas para nos encontrarmos com Ele...
Então, o pastor subiu com as ovelhas apesar de nunca ter ouvido a voz de Deus.
E no medo gélido da noite as ovelhas se amontoavam da lã quente dos corpos aquecidos.
E por desgraça do destino gracioso, ninguém sabe ao certo, o redio aberto trazia um vento livre que despertou as ovelhinhas para a descoberta de uma noite assombrada de sombra de luar apaixonado. Não deu outra... ovelhas em fuga!
“Ovelhas desgarradas!”, gritará o adormecido pastor na manhã seguinte quando for despertar para contar carneirinhos...
E as ovelhas a se perder em balidos de paixão campesina montanha afora, dançando despretensiosas de serem maior que qualquer coisa, em qualquer lugar.

Há ovelhas nas montanhas (Mt 18, 12). 

segunda-feira, 30 de abril de 2018

CRIANÇAS NA CATEQUESE SEM VAGA NA ESCOLA E SEM POSTO DE SAÚDE



Catequizandos da periferia de Feira de Santana (BA) ainda não saber ler ou escrever porque estão sem estudar. Na maior parte, suas famílias são moradoras de condomínios criados pelo programa do governo "Minha casa, Minha Vida". O problema é que nos bairros onde vivem não há escolas com vagas suficientes para todos e nem serviço de saúde pública que seja próximo de suas casas. Como muitas crianças não têm condições de deslocar-se diariamente para escolas mais distantes onde haveriam vagas, ficam sem estudar.
 O governo facilitou o acesso à moradia, mas formou bairros populosos sem infraestrutura para acolher os moradores. Um aglomerado de crianças, jovens, adultos, idosos, de famílias em condomínios do programa do governo fixados em regiões sem escolas, postos de saúde e opções de lazer é um atentado à dignidade dessas pessoas. Ensina o Compêndio da Doutrina Social da Igreja (Pontifício Conselho Justiça e paz) n. 557:

domingo, 15 de abril de 2018

Três “grupos” pastorais desafiadores: pais e padrinhos, noivos e famílias enlutadas


Três “grupos” pastorais desafiadores: pais e padrinhos (batismo), noivos (matrimônio) e famílias enlutadas (velório e 7º dia). Eles só aparecem na Igreja nessas ocasiões raras e especiais aí. Na maioria das vezes, buscam a Igreja por motivos outros que não o interesse em seguir Jesus de perto. O que fazemos com eles? Apontamos o dedo, jogando na cara que só nos procuram quando “precisam” e que tão logo consigam o que querem vão se embora de novo? Talvez até atendamo-los, mas com pouco gosto e zelo apostólico porque, afinal de contas, para que dar acolhida a alguém que “não é de Igreja” mesmo!?

CUIDADO! “Ser de Igreja” não nos faz melhores nem mais santos do que os que não são. Quem pensa assim, pensa na lógica da falsa arrogância “cristã”.  

O Evangelho nos conta que Jesus disse aos discípulos “IDE por todo o mundo, anunciai...” (cf. Mc 16,15). Ele diz IDE, manda IR, SAIR... e não é que até hoje tem gente que VÊM, que CHEGA até nós, nossas secretarias e pastorais sem a gente precisar IR? É verdade que vêm pouco e vêm por motivos estranhos talvez, mas VÊM! E elas chegam, como filho pródigo (cf. Lc 15), e o que encontram? Espero que encontrem sempre MISERICÓRDIA. Mesmo que a gente saiba que talvez não voltem. O AMOR-misericórdia é gratuito... é confiante que Deus agirá! É um amor que joga semente em terrenos ainda não prontos para produzir frutos para a vinha do Senhor, mas semeia!

No mínimo, esses que nos buscam nesses momentos singulares da vida, se acolhidos com respeito, passarão – no mínimo- a nos respeitar enquanto Igreja e enquanto comunidade que testemunha a fé que diz que tem e vive. Do contrário, o abismo entre nós e eles, só tende a aumentar. Aliás, será que diante de Deus existe nós-e-eles ou é tudo junto e misturado?


Que a nossa lógica pastoral seja a lógica atitudinal de Jesus. Que o Espírito de Deus nos inspire a amar como Jesus amou. 

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

12 verdades sobre o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem que todo consagrado precisa saber



Texto de 
Menkell Rodrigues
João Melo 

  • 1      A Bíblia é imensamente mais importante do que o Tratado

A Bíblia é Palavra de Deus! E o Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem está fundamentado e repleto de citações e referencias bíblicas. Não é possível se aprofundar no conhecimento do Tratado sem antes conhecer bem a Bíblia Sagrada. E mais, São Jerônimo afirma que “ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo”.
Com efeito, até Bento XVI lamentou na sua catequese sobre a leitura da Bíblia do dia 3 de agosto de 2011 que, “na realidade, muitos cristãos nunca leram a Bíblia e tem um conhecimento muito limitado e superficial. [...] Alguns desses livrinhos [que compõem a Bíblia] permanecem quase que desconhecidos para a maior parte das pessoas, também para bons cristãos”.
E também o Papa Francisco no Angelus do dia 5 de março de 2017 ensinou que “é preciso conhecer bem, ler, meditar e assimilar a Bíblia, pois a Palavra de Deus é sempre ‘atual e eficaz’. [...] O que aconteceria se usássemos a Bíblia como usamos o nosso celular? Se a levássemos sempre conosco (ou pelo menos um Evangelho de bolso), o que aconteceria? Se voltássemos quando a esquecemos, se a abríssemos várias vezes por dia; se lêssemos as mensagens de Deus contidas na Bíblia como lemos as mensagens em nosso celular, o que aconteceria? É uma comparação paradoxal, mas faz pensar... [...] Com efeito, se tivéssemos a Palavra de Deus sempre no coração, nenhuma tentação poderia nos afastar de Deus e nenhum obstáculo poderia nos desviar no caminho do bem; saberíamos vencer as propostas do Mal que está dentro e fora de nós; e seríamos mais capazes de viver uma vida ressuscitada segundo o Espírito, acolhendo e amando nossos irmãos, especialmente os mais frágeis e carentes, inclusive nossos inimigos”.
O próprio São Luís Maria Grignion de Montfort afirma que a Bíblia é fonte primeira da fé, quando diz que por ela poderia provar a devoção que propõe. Ele reconhece a superioridade e autoridade da Bíblia: “Se eu me dirigisse aos espíritos fortes desta época, tudo isso, que digo simplesmente, poderia prová-lo pela Sagrada Escritura, pelos Santos Padres, citando longas passagens em latim e aduzindo os mais fortes argumentos [...]” (Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, n. 26).
Dito de outra maneira: Antes de ler o Tratado, leia a Bíblia!

  • 2       A consagração é a Jesus Cristo por meio de Maria

Se enganam aqueles que acham que São Luís Maria Grignion de Montfort prega uma consagração feita à Nossa Senhora. Na verdade, a consagração é feita unicamente a Jesus Cristo - por meio de Maria. O santo autor do Tratado, ao começar sua obra, frisa de modo direto e explicito o sentido último do método de consagração que ele nos propõe: “Deus Espírito Santo consentiu que os apóstolos e evangelistas a ela [Virgem Maria] mal se referissem, e apenas no que fosse necessário para manifestar Jesus Cristo” (Tratado, n. 4). Como podemos ver, um horizonte nobre e sutil de devoção à Nossa Senhora é o que galga São Luis Maria Grignion de Montfort, mantendo-se fiel à pedagogia adotado pelo próprio Deus de conferir à Maria um papel importante e especial no plano da Salvação, dispondo dela tanto quanto ela possa colaborar para que fixemos os olhos no Seu Divino Filho, Jesus Cristo. Uma consagração ideal deve, portanto, nos ajudar a explicitar sempre mais um ato de união a Jesus Cristo, de modo que a nossa vida esteja conformada a vida d’Ele.
Quando falamos em ato de consagração, estamos nos referindo a pessoas que se deixam mover pelo Espírito Santo a fazer de algum modo presente a forma de vida que Ele, Jesus, elegeu. Aqui se trata de rever, constantemente, a tônica, o acento dado, devida e fielmente ao ato de consagração: ter por nossa maior motivação e atração a Pessoa de Jesus Cristo, seu Evangelho e o Reino por Ele anunciado. Que você consagrado, possa dizer, de modo claro e convidativo que és consagrado a Jesus Cristo, porque a vida d’Ele enche de um sentido novo e pleno a sua, “que não é a mesma coisa ter conhecido Jesus ou não O conhecer, não é a mesma coisa caminhar com Ele ou caminhar tateando, não é a mesma coisa poder escutá-Lo ou ignorar a sua Palavra, não é a mesma coisa poder contemplá-Lo, adorá-Lo, descansar n’Ele ou não o poder fazer. Não é a mesma coisa procurar construir o mundo com o seu Evangelho em vez de o fazer unicamente com a própria razão. Sabemos bem que a vida com Jesus se torna muito mais plena e, com Ele, é mais fácil encontrar o sentido para cada coisa” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n. 266).
Maria, no seu venerado lugar de sutileza, pede-nos, calorosamente, que seja o seu Filho Jesus a pérola preciosa de toda consagração. É ele a nossa motivação. E Maria é a mãe que ajuda nesse caminho. O Papa Bento XVI, na oração do Ângelus, proferida em 25 de março de 2012, recorda toda Igreja: “Amados irmãos, não esqueçais que a verdadeira devoção à Virgem Maria aproxima-nos sempre de Jesus, e ‘não consiste numa emoção estéril e passageira, mas nasce da fé, que nos faz reconhecer a grandeza da Mãe de Deus e nos incita a amar filialmente a nossa Mãe e a imitar as suas virtudes’ (Lumen Gentium, n. 67). Amá-La é comprometer-se a escutar o seu Filho; é viver segundo as palavras do fruto bendito do seu ventre”.
Sempre buscamos conhecer melhor o Cristo, para melhor amar a Mãe
A parte inicial do texto, continua a aprofundar a centralidade do método: “Se quiserdes compreender a Mãe – diz um santo – compreendei o Filho” (Tratado, n. 12). Aqui se evidencia a relação afetiva, tão cara a todo consagrado/a, com Maria Santíssima, e qual o propósito e o fruto dessa relação com a Mãe: o conhecimento interno do Filho. Pode ocorrer de alguns consagrados caírem no reducionismo de pensar que o seu ato de consagração, pelo método de São Luís, se expresse exclusivamente por práticas de devoção mariana. Se assim o for, compreenderam erroneamente o destino prático da consagração feita a Jesus. Há de se dizer sem rodeios, e para o entendimento salutar do método: o objetivo da consagração é a melhor imitação do modo de proceder de Jesus Cristo, dando testemunho da Boa Nova por Ele anunciada, confiando no auxilio materno de intercessão de Maria. Contudo, isso não implica fazer da vida um apostolado de divulgação sobre Maria e práticas de piedade popular.
O santo autor, no número 13 do Tratado, assim se expressa: “meu coração ditou tudo o que acabo de escrever com especial alegria, para demonstrar que Maria Santíssima tem sido, até aqui, desconhecida, e que é esta uma das razões por que Jesus Cristo não é conhecido como deve ser”. São Luís diz que é algo do coração dele, isto é, enraizado na sua experiência pessoal de oração, daí que não se pode tomar essa afirmação como sinônimo da autoridade eclesial. Atrelar como obrigatório o laço afetivo com a Virgem Maria para que Jesus seja conhecido é um modo maximalista de compreender a colaboração que Nossa Senhora opera no plano da Salvação. Ela, na sua pessoa e como dom disposto pelo próprio Deus, é um meio de se aproximar do Messias, mas não se constitui como caminho único, embora no final da caminhada, inevitavelmente, poderemos contemplar a comunhão entre o Filho e a Mãe. O magistério da Igreja sempre reconheceu isso de maneira equilibrada e convicta, cujo posicionamento oficial, em suma, sempre afirmou que a propagação de toda e qualquer devoção está sempre associada a finalidade de tornar Jesus Cristo conhecido, porque no fim é Ele somente o “caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6).
Todo consagrado, ao ler a obra de São Luís, certamente sabe da consciência que o santo tem do lugar e papel da Virgem Maria em relação ao seu Filho e, portanto a Deus e a graça operante na vida humana e do mundo. Citamos alguns exemplos:
“Confesso com toda a Igreja que Maria é uma pura criatura saída das mãos do Altíssimo. Comparada, portanto, à Majestade infinita ela é menos que um átomo, é, antes, um nada, pois que só ele é ‘Aquele que é’ (Ex 3, 14) e, por conseguinte, este grande Senhor, sempre independente e bastando-se a si mesmo, não tem nem teve jamais necessidade da Santíssima Virgem para a realização de suas vontades e a manifestação de sua glória. Basta-lhe querer para tudo fazer” (Tratado, n. 14).
“Cuidemos, porém, de não atribuir a essa dependência o menor abaixamento ou imperfeição em Jesus Cristo. Maria está infinitamente abaixo de seu Filho, que é Deus, e, portanto, não lhe dá ordens, como uma mãe terrestre as dá a seu filho. Maria, porque está toda transformada em Deus pela graça e pela glória que, em Deus, transforma todos os santos, não pede, não quer, não faz a menor coisa contrário à eterna e imutável vontade de Deus” (Tratado, n. 27).
  • 3    Você provavelmente vai precisar de ajuda para entender o texto do Tratado que tem linguagem medieval

O texto original está em francês medieval: “Traité de la Vraie Dévotion a la Sainte Vierge”. Nele abundam as citações latinas, e também imagens e ideias próprias do tempo em que foi escrito. Um exemplo simples, para começar: São Luís diz que “Igreja alguma se encontra sem um altar em sua honra [da Virgem Maria]” (Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, n. 9). Ele diz isso porque na sua época as igrejas tinham vários altares nas laterais, cada um dedicado a um santo diferente, onde eram celebradas missas, as vezes ao mesmo tempo.
Outro exemplo, e bem mais complicado é a questão da PREDESTINAÇÃO que perpassa vários parágrafos do Tratado (n. 30, 31, 32, 40 etc). Nessas partes, o Tratado têm uma linguagem ultrapassada para os dias de hoje. O termo “predestinados” pode causar grande confusão porque pode-se compreender que alguns de nós já nascemos “pré destinados” à salvação, enquanto outros “pré destinados” à condenação; E isso não é verdade. Todo ser humano foi criado na liberdade para escolher abraçar o amor de Deus ou fechar-se a ele. Daí que não existem predestinados. A Virgem Maria é Mãe da Misericórdia e ela está em conformidade com a vontade do Pai que é salvar a todos: “Deus nosso Salvador deseja que todos os homens sejam salvos e cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (1 Timóteo 2,3-4). Deus não criou alguém para a condenação.
É importante lembrar que o texto traduz a mentalidade de um outro tempo. O Tratado também apresenta outros problemas mais graves para os leitores de hoje que estão em plena comunhão com a Igreja e seu Magistério. O número 30, por exemplo, afirma que “os réprobos, os hereges, os cismáticos, etc., que odeiam ou olham com desprezo ou indiferença a Santíssima Virgem, não têm Deus por pai, ainda que disto se gloriem, pois não têm Maria por mãe”. E acrescenta “O sinal mais infalível e indubitável para distinguir um herege, um cismático, um réprobo, de um predestinado, é que o herege e o réprobo ostentam desprezo e indiferença pela Santíssima Virgem e buscam por suas palavras e exemplos, abertamente e às escondidas, às vezes sob belos pretextos, diminuir e amesquinhar o culto e o amor a Maria”.
Ora, faz tempo que a Igreja abandonou oficialmente o uso de expressões como “réprobos, hereges, cismáticos, etc”. Nenhum texto do magistério se utiliza mais dessa linguagem considerada retrógada e agressiva. O motivo é simples: Ao invés de condenar ou anatematizar, a Mãe Igreja sabiamente prefere persuadir à retidão da fé católica pelo anúncio, testemunho e pelo diálogo respeitoso.
Além disso, hoje, já não é possível afirmar que aqueles que não cultivam particular devoção à Virgem Santíssima porque pertencem a religiões cristãs que não cultuam Maria, não tenham Deus por Pai ou estejam privados da salvação em Cristo. Isso é falso! São João Paulo II, devotíssimo à Virgem Maria, e conhecido apreciador do Tratado, ensina o contrário: “as Igrejas e Comunidades separadas, embora creiamos que tenham defeitos, de forma alguma estão despojadas de sentido e de significação no mistério da salvação. Pois o Espírito de Cristo não recusa servir-se delas como de meios de salvação cuja virtude deriva da própria plenitude de graça e verdade confiada à Igreja Católica” (Carta Encíclica Ut Unum Sint, n. 10). E acrescenta que há “elementos de santificação e de verdade que, de modo distinto, se encontram e atuam para além das fronteiras visíveis da Igreja Católica: Muitos há, com efeito, que têm e prezam a Sagrada Escritura como norma de fé e de vida, manifestam sincero zelo religioso, crêem de coração em Deus Pai onipotente e em Cristo, Filho de Deus Salvador, são marcados pelo Batismo que os une a Cristo e reconhecem e recebem mesmo outros sacramentos nas suas próprias igrejas ou comunidades eclesiásticas” (Carta Encíclica Ut Unum Sint, n. 12). Como poderiam eles crer no Pai onipotente e misericordioso e não terem Deus verdadeiramente por Pai?


  • 4     Os termos “servo (a)” ou “consagrado (a)” de Jesus Cristo por Maria são mais adequados do que “escravo (a)”

O método de consagração proposto por São Luís Maria Grignion de Montfort é realizado no seio da Igreja e, portanto, deve estar atento ao que ela nos orienta no tempo presente, levando em conta a sua atualização pastoral e o discernimento feito por ela para corresponder à vontade de Deus segundo os sinais dos tempos. Ao abordar esse assunto, não trilharemos os meandros das subjetividades, ou seja, de propor uma retórica pautada em opiniões diversas que visam apenas levar os consagrados numa guerra de seus gostos e desgostos. É preciso que todo consagrado tenha claro e leve a sério aquilo que a Mãe Igreja nos orienta na praxe da vida espiritual, não ficando refém de seus achismos, por mais belos e heroicos que lhes pareçam.
Hoje, a Igreja Católica vive no mundo inteiro um novo apelo de anúncio chamado “Nova Evangelização”. Essa discussão é tão importante e de extrema pertinência à vida dos fiéis que foi tema da XIII Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos no ano de 2012, convocada, na época, por Bento XVI. Desta Assembleia Sinodal com os Bispos do mundo inteiro, surgiu a Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, promulgado pelo Santo Padre o papa Francisco, e fala sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. É nela, portanto, que está contida a nova chave de leitura para exercer todo e qualquer modo de evangelização no mundo de hoje.
Ao se falar da Nova Evangelização, um dos critérios de grandíssima relevância é a linguagem utilizada na comunicação dos bens espirituais às pessoas do nosso tempo. Assim, diz-nos o Santo Padre neste documento supracitado:
“Ao mesmo tempo, as enormes e rápidas mudanças culturais exigem que prestemos constante atenção ao tentar exprimir as verdades de sempre numa linguagem que permita reconhecer a sua permanente novidade; é que, no depósito da doutrina cristã, «uma coisa é a substância (...) e outra é a formulação que a reveste». Por vezes, mesmo ouvindo uma linguagem totalmente ortodoxa, aquilo que os fiéis recebem, devido à linguagem que eles mesmos utilizam e compreendem, é algo que não corresponde ao verdadeiro Evangelho de Jesus Cristo. Com a santa intenção de lhes comunicar a verdade sobre Deus e o ser humano, nalgumas ocasiões, damos-lhes um falso deus ou um ideal humano que não é verdadeiramente cristão. Deste modo, somos fiéis a uma formulação, mas não transmitimos a substância. Este é o risco mais grave. Lembremo-nos de que «a expressão da verdade pode ser multiforme. E a renovação das formas de expressão torna-se necessária para transmitir ao homem de hoje a mensagem evangélica no seu significado imutável»” (Evangelii Gaudium, n. 41).
Aqui o Santo Padre, em comunhão com os Bispos do mundo inteiro – expressando assim o pedido da Igreja universal – apresenta o apelo de rever as linguagens e expressões que usamos para transmitir as verdades e práticas da fé e incluída nessa revisão se encontra também o Tratado e a sua contingencia temporal – como já visto anteriormente, o Tratado carrega consigo uma lógica de cultura medieval e sua atualização é imprescindível. Ele não é uma obra isolada em si mesma e os consagrados hoje precisam pensar na sua aplicação de forma dialógica com a cultura e o modo de sentir dos seus contemporâneos.
Muitas pessoas, comunidades e instituições questionam – com pertinência – o uso do termo “escravo” como título adotado pelos consagrados ao referissem a si mesmos, por conta do imediato teor negativo que essa palavra carrega. Essa interpelação deve ser assumida e respondida em fidelidade ao que a Santa Mãe Igreja nos ensina a respeito da sensibilidade com o povo de Deus. Quanto a isso, tomemos três considerações sobre o uso deste adjetivo:
Primeira consideração: a conotação histórica
Tomemos como exemplo a oração que foi tema jubilar do Ano Mariano, pelos 300 anos de achado da imagem da Mãe Aparecida, num dos seus trechos assim reza: “Como sinal vindo do céu, em vossa cor, vós nos dizei para o Pai não existem escravos, apenas filhos muito amados. Diante de vós, embaixadora de Deus, rompem-se as correntes da escravidão!”. Aqui se revela, pela inspiração do Espírito Santo, a sensibilidade que se tem pela realidade histórica de nosso país, que sofreu por séculos o drama vergonhoso da escravidão da população negra. Isso não é um detalhe a ser ignorado ou relativizado. Veja, consagrado, o termo “escravo” tem um significado novo e ignóbil, determinante em como as pessoas fazem a sua experiência de Deus. Não cabe mais propor ao povo de Deus que eles se sintam tratados por Deus como escravos seus (cf. Jo 15,15).
Segunda consideração: a conotação afetiva
Se por um lado temos a conotação histórica apontando-nos a necessidade de abandonar o uso do termo “escravo”, por outro corrobora o abandono deste título a oportunidade de crescer na afeição por Deus e Nossa Senhora com o uso de uma linguagem mais bela e dotada de ternura e amorosidade, valendo-se de outros termos, que vão mais ao centro do Evangelho. Trata-se de pôr em evidência, com sentimentos salutares e inspiradores, a relação que o Criador procura estabelecer com as suas criaturas. Disto, toma nota o papa Francisco, ao declarar que “a identidade cristã, que é aquele abraço batismal que o Pai nos deu em pequeninos, faz-nos anelar, como filhos pródigos – e prediletos em Maria –, pelo outro abraço, o do Pai misericordioso que nos espera na glória. Fazer com que o nosso povo se sinta, de certo modo, no meio destes dois abraços é a tarefa difícil, mas bela, de quem prega o Evangelho” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, n. 144). É tarefa de todo o católico, sobretudo os consagrados, prestarem atenção em como proporcionarão ao povo de Deus essa experiência de docilidade e carinho para qual o Senhor nos convida. Logo, expressa muito mais fielmente toda a amabilidade de Deus o adjetivo de “consagrado” (por toda a riqueza evangélica que esse ato possui, como já exposto aqui) ou mesmo, simples e carinhosamente, de “servos” ou “filhos”.

São Luís, num determinado trecho do Tratado, faz notar como o emprego das palavras fazem diferença na hora de determinar a nossa relação com a realidade espiritual: “Deus não pôs somente inimizade, mas inimizades, e não somente entre Maria e o demônio, mas também entre a posteridade da Santíssima Virgem e a posteridade do demônio. Quer dizer, Deus estabeleceu inimizades, antipatias e ódios secretos entre os verdadeiros filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e escravos do demônio” (Tratado, n. 54). Na bondade de Deus e na candura da Mãe Maria, cabe melhor utilizarmos palavras como “filhos”, “servos” e “consagrados”. A escravidão e toda a sua opressão melhor dizem respeito ao dialeto do demônio.

Terceira consideração: a conotação espiritual

Há quem possa aludir às palavras do santo quando assim o diz: “A diferença entre um servo e um escravo é total: 1º Um servo não dá a seu patrão tudo o que é, tudo o que possui ou pode adquirir por outrem ou por si mesmo; mas um escravo se dá integralmente a seu senhor, com tudo o que possui ou possa adquirir, sem nenhuma exceção; 2º O servo exige salário pelos serviços que presta a seu patrão; o escravo, porém, nada pode exigir, seja qual for a assiduidade, a habilidade, a força que empregue no trabalho; 3º O servo pode deixar o patrão quando quiser, ou ao menos quando expirar o tempo de serviço, mas o escravo não tem esse direito; 4º O patrão não tem sobre o servo direito algum de vida e de morte, de modo que, se o matasse como mata um se seus animais de carga, cometeria um homicídio; mas, pelas leis, o senhor tem sobre o escravo o poder de vida e morte; de modo que pode vendê-lo a quem o quiser ou matá-lo, como, sem comparação, o faria a seu cavalo” (Tratado, n. 71). Quanto a isso, como já discutimos anteriormente, São Luis Maria Grignion de Montfort expressa a sua experiência pessoal a partir de seu contexto cultural, muito próprio da Idade Média, cuja linguagem e concepção religiosa avançaram e foram superadas, à medida que a Igreja, guiada sempre pelo Espírito Santo, discerniu o seu modo de ditar as verdades de sempre. A nossa submissão à vontade do Senhor não necessita desses extremos para ser reconhecida como autêntica e frutífera.

  • 5       Existem várias formas de consagração devocional a Maria

Popularizou-se chamar o método indicado no Tratado de “Consagração total à Nossa Senhora”. Essa afirmação, além de equivocada, carrega consigo certa presunção ou – ainda que não intencionalmente – parece ignorar a igual validade e preciosidade de outras formas de entrega e devoção à Nossa Senhora. É indubitável afirmar que o método de Consagração pelo método do Tratado NÃO É A ÚNICA OU MELHOR MANEIRA DE EXPRESSAR AMOR A JESUS CRISTO E À NOSSA SENHORA, é mais um entre muitos outros modos dispostos na Igreja para viver essa prática.
São Francisco de Sales, Bispo, no século XVII, já nos ajudava a desenvolver bem essa consciência, ao refletir:
“Na criação, Deus Criador mandou às plantas que cada uma produzisse fruto conforme sua espécie. Do mesmo modo, ele ordenou aos cristãos, plantas vivas de sua Igreja, que produzissem frutos de devoção, cada qual de acordo com sua categoria, estado e vocação. A devoção pode e deve ser praticada de modos diferentes pelo nobre e pelo operário, pelo servo e pelo príncipe, pela viúva, pela solteira ou pela casada. E isto ainda não basta. A prática da devoção deve adaptar-se às forças, aos trabalhos e aos deveres particulares de cada um [...] A devoção quando é verdadeira não prejudica a ninguém; pelo contrário, tudo aperfeiçoa e consuma” (Da Introdução à Vida Devota, de São Francisco de Sales, bispo. Pars 1, cap. 3 - Séc.XVII).
Toda forma de consagração ou devoção, quando vivida de modo sincero e na profundidade da fé tem seu valor reconhecido e não segue uma mensuração possível de ser determinada, logo não podemos afirmar que existem consagrações totais ou parciais, ou devoções maiores ou menores, essa terminologia é errada e deve ser abandonada. O próprio Santo Padre, reconhece o tesouro espiritual e mesmo teológico presente nas mais diversas e simples expressões devocionais, quando assim relata “penso na fé firme das mães ao pé da cama do filho doente, que se agarram a um terço ainda que não saibam elencar os artigos do Credo; ou na carga imensa de esperança contida numa vela que se acende, numa casa humilde, para pedir ajuda a Maria, ou nos olhares de profundo amor a Cristo crucificado” (Francisco, Evangelii Gaudium, n. 125).

  • 6     São Montfort não fala nada sobre usar véus, saias, ou outros roupas específicas

De modo alarmante, notamos entre os consagrados que seguem as orientações do Tratado uma atenção radicalizada dada a sinais exteriores e muitos deles acabam assumindo para si o uso quase obrigatório de determinadas vestimentas, como se estas fossem previstas e ditadas para a vivência da consagração. São Luís Maria Grignion de Montfort de modo algum faz tamanha especificação. Isto são invenções que surgiram depois e que, inclusive, sofrem críticas severas do próprio autor, tendo ele se referido a eles como “devotos exteriores”. No número 96 da sua obra, ele então apregoa: “devotos exteriores são as pessoas que fazem consistir toda a devoção à Santíssima Virgem em práticas exteriores; que só tomam interesse pela exterioridade da devoção à Santíssima Virgem, por não terem espírito interior; que recitarão às pressas uma enfiada de terços, ouvirão, sem atenção, uma infinidade de missas, acompanharão as procissões sem devoção, farão parte de todas as confrarias sem emendar de vida, sem violentar suas paixões, sem imitar as virtudes desta Virgem Santíssima. Amam apenas o que há de sensível na devoção, sem interesse pela parte sólida. Se suas práticas não lhes afetam a sensibilidade, acham que não há nada mais a fazer, ficam desorientados, ou fazem tudo desordenadamente. O mundo está cheio dessa espécie de devotos exteriores e não há gente que mais critique as pessoas de oração que se dedicam à devoção interior sem desprezar o exterior de modéstia, que acompanha sempre a verdadeira devoção”. A verdadeira devoção à Virgem Maria é, portanto, assumida dentro do nosso mundo interior e tamanha acuidade por uma aparência devotada através de sinais como véus, saias ou quaisquer outras peças e/ou acessórios revela bem mais uma obsessão por reconhecimento exterior do que uma devoção honesta. Por via das dúvidas, evite tamanha tentação, prefira a interioridade.

  • 7     O Tratado sugere outros símbolos de consagração diferentes da “correntinha”

Correntes enormes e chamativas são contrárias à orientação de São Luís Maria Grignion de Montfort. No número 116 do Tratado, ele sugere como prática exterior - portanto não trata-se da parte mais importante da consagração -  o uso de um sinal exterior (insígnia) que pode ser o santo rosário ou o terço, o escapulário ou uma “Chaînette”, isto é, uma “cadeiazinha”... assim mesmo, no diminutivo. Entenda-se aqui uma pulseira de corrente de metal PEQUENA cujo uso ele vai justificar no número 238.  Veja que ele sugere em primeiro lugar o uso do terço, depois do escapulário e só por último sugere o uso de uma “correntinha”. Isso é bem diferente desses correntões que tornam-se ostentações para ganhar atenção e status religioso. São Luís Maria Grignion de Montfort ensina que “toda a sua vida Maria permaneceu oculta; por isso o Espírito Santo e a Igreja a chamam Alma Mater – Mãe escondida e secreta. Tão profunda era a sua humildade, que, para ela, o atrativo mais poderoso, mais constante era esconder-se de si mesma e de toda criatura, para ser conhecida somente de Deus” (Tratado, n. 2). Por que, então, o consagrado deve “aparecer” tanto com o uso de uma corrente ostentativa?

  • 8     Todo católico deve seguir o que o Magistério da Igreja ensina sobre Aparições e Revelações particulares de Maria, inclusive as citadas no Tratado

Nenhum católico é obrigado a crer em aparições e revelações particulares de Nossa Senhora ou dos santos porque elas não revelam conteúdos da fé católica. Aparições como a ocorrida em Fátima servem apenas para relembrar algum aspecto da Revelação dada e concluída em sua plenitude em Jesus Cristo – chamada também de revelação pública. Quem nos explica isso é o papa emérito Bento XVI, então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, quando fala do conceito de “revelação privada ou particular”, que se aplica a todas as visões e revelações verificadas depois da conclusão do Novo Testamento.
Ele diz que “a autoridade das revelações privadas é essencialmente diversa da única revelação pública: esta exige a nossa fé”. E acrescenta: “A revelação privada é um auxílio para esta fé, e manifesta-se credível precisamente porque faz apelo à única revelação pública. [...] A tais revelações [privadas e] aprovadas NÃO é devida uma adesão de fé católica; nem isso é possível. Estas revelações requerem, antes, uma adesão de fé humana ditada pelas regras da prudência, que no-las apresentam como prováveis e religiosamente credíveis ». [...]Tal mensagem [da revelação privada] pode ser um válido auxílio para compreender e viver melhor o Evangelho na hora atual; por isso, não se deve transcurar. É uma ajuda que é oferecida, MAS NÃO É OBRIGATÓRIO FAZER USO DELA. Assim, o critério para medir a verdade e o valor duma revelação privada é a sua orientação para o próprio Cristo. Quando se afasta d'Ele, quando se torna autônoma ou até se faz passar por outro desígnio de salvação, melhor e mais importante que o Evangelho, então ela certamente não provém do Espírito Santo, que nos guia no âmbito do Evangelho e não fora dele” (Congregação para a Doutrina da Fé, A Mensagem de Fátima). Daí que devemos estar atentos se certas revelações particulares/privadas de Nossa Senhora estão verdadeiramente nos orientando para o centro da vida cristã: Jesus Cristo.
Dito de maneira simples: Todo consagrado precisa saber que a única e necessária Revelação se deu na encarnação, vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo.

  • 9     A expressão “Reino de Maria” só pode ser admitida no espírito do Tratado, isto é, se entendermos que esse Reino não é outro que não o Reino de Deus

Não existem dois reinos, um de Maria e outro de seu Filho. Há um único reino, o reino de Deus. Com efeito, “o Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça, e paz, e alegria no Espírito Santo” (Rm 14,17). O Reino de Deus, o reino de Cristo se torna realidade na medida em que vivemos a justiça, a paz e a alegria no Espírito Santo. Nós participamos e construímos o Reino cada vez que praticamos e lutamos para que a justiça reine entre nós, cada vez que encorajamos a paz entre os povos, nas famílias e entre as pessoas, e cada vez que a alegria do Evangelho pulsa em nossos corações como dom do Espírito Santo. É assim que o Reino de Deus, o reino de Cristo se faz presente. Maria Santíssima, por colaborar com o projeto de Deus de vida em abundância para todos, projeto de salvação levado a cabo por Jesus Cristo, projeto esse em que Ela, solidária ao seu povo pobre e sofredor, sedento e esfomeado de justiça (cf. Mt 5,6), gerou o Príncipe da Paz (Is 9,6) e, cheia de graça, alegrou-se, trazendo a nós a causa de nossa alegria” (cf. Lc 1,28) é também participante desse Reino de Deus. Justiça, paz e alegria: nisso consiste o Reino de Deus (cf. Rm 14,17). Maria é participante desse Reino, por isso ele também é dela. Diz São Luís Maria Grignion de Montfort que “quando, portanto, e é certo, o conhecimento e o reino de Jesus Cristo tomarem o mundo, será uma consequência necessária do conhecimento e do reino da Santíssima Virgem Maria” (Tratado, n. 13). E acrescenta sem nunca dar a ideia que existiriam dois reinos: “Maria é a Rainha do céu e da terra, pela graça, como Jesus é o rei por natureza e conquista. Ora, como o reino de Jesus Cristo compreende principalmente o coração ou o interior do homem, conforme a palavra: ‘O reino de Deus está no meio de vós’ (Lc 17,21), o reino da Santíssima Virgem está principalmente no interior do homem, isto é, em sua alma, e é principalmente nas almas que ela é mais glorificada com seu Filho, do que em todas as criaturas visíveis, e podemos chamá-la com os santos a Rainha dos corações” (Tratado, n. 38).
O Reino é de Deus, mas por participação também é reino de Maria, e reino de cada um de nós que colabora em sua construção. O reino é nosso. 

10 -     O Tratado é um livro de espiritualidade popular
O Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem Maria, embora traga uma certa pomposidade e ares de autoridade (o que é muito próprio das publicações da era medieval), não se constitui como um documento do Magistério da Igreja, cabendo-lhe, logo, ao seu devido lugar: um livro de espiritualidade popular, para a leitura dos fiéis conforme os ajude no seu crescimento espiritual e vivência do Evangelho, mas não podendo ser assumido, no seu conteúdo, como verdade de fé ou orientador pastoral que determine o modo de pensar e agir dos cristãos católicos – ainda mais nos dias de hoje –  muito menos acrescenta qualquer concepção nova e absoluta sobre as temáticas espirituais, sobretudo no que diz respeito à Virgem Maria. Este devotado Santo tem consciência disso e deixa clara a intenção e o valor de seus escritos:
“Falo, porém, aos pobres e aos simples que, por serem de boa vontade e terem mais fé que a maior parte dos sábios, creem com mais simplicidade e mérito, e, portanto, contento-me de lhes simplesmente a verdade, sem me preocupar em citar todos os textos latinos, embora mencione alguns, mas sem os rebuscar muito. Continuemos” (Tratado, n. 26).
Portanto, caro consagrado, na ordem de referência que você deve assumir como importante e válida a ser seguida para aprofundar sua devoção está, primeiro, a Bíblia e Tradição da Igreja, bem como a sua milenar orientação magisterial presente em inúmeros documentos promulgados por ela, os quais seguem um contínuo discernimento segundo os sinais dos tempos. A luz desse arcabouço – e jamais fora dele ou parcial a ele – devemos ler as obras dos Santos, incluído aí o legado de São Luís.

11 -    A consagração pelo Tratado não é sinônimo de salvação garantida
Queremos retomar o que foi exposto no item 3 deste artigo, ao reconhecer a inflexão de linguagem e mentalidade necessária para Tratado nos tempos de hoje. O Santo, fiel à linha teológica da época, afirmou no seu livro inúmeras vez o atrelado absoluto entre Salvação e devoção à Virgem Maria. Alguns exemplos a saber:
“A devoção à santa Virgem é necessária a todos os homens para conseguirem a Salvação” (n. 39); “Se a devoção à Virgem Santíssima é necessária a todos os homens para conseguirem simplesmente a salvação” (n. 43).

 Estes trechos podem levar você, consagrado, a acreditar que, ao adotar este método de consagração, sua salvação está garantida – garantida pela intercessão da Virgem Maria. Não caía nesse fatal erro. Isso é uma pretensão conferida à Nossa Senhora que não corresponde à Verdade do Evangelho nem ao ensinamento da Igreja, embora, por piedade popular, essa intuição está presente em muitas obras devocionais. Assim como não se pode afirmar que nas demais formas de confissões cristãs, em que não existe uma devotada veneração à Virgem Maria, a graça da Salvação lhes está privada, do mesmo modo não podemos dizer que a prática da devoção mariana possa ser sinônimo de salvação pessoal.


12 -  Os consagrados não são “mais” cristãos ou cristãos “melhores” do que os não-consagrados
ilusão de superioridade em relação aos outros, a hipocrisia, o farisaísmo e a arrogância fazem parte do coração e das atitudes daqueles que acham que a consagração pelo método do Tratado os faz mais santos, cristãos melhores ou mais autênticos do que os outros. Erram feio cultivando um modo de ser nada cristão: a soberba. São Luís Maria Grignion de Montfort chama de presunçosos esses devotos que “sob o belo nome de cristãos e devotos da Santíssima Virgem, escondem ou o orgulho, ou a avareza, ou a impureza, ou a embriaguez, ou a cólera, ou a blasfêmia, ou a maledicência, ou a injustiça, etc.; que dormem placidamente em seus maus hábitos, sem violentar-se muito para se corrigir, alegando que são devotos da Virgem; que prometem a si mesmos que Deus lhes perdoará, que não hão de morrer sem confissão, e não serão condenados porque recitam seu terço, jejuam aos sábados, pertencem à confraria do santo Rosário ou do Escapulário, ou a alguma congregação; porque trazem consigo o pequeno hábito ou a cadeiazinha da Santíssima Virgem, etc.” (Tratado, n. 97).

De fato, a soberba é exatamente o oposto da humildade. Aliás, a origem da palavra humildade é “húmus”, isto é, aquilo que se acha na terra, pó (cf. Gn 2,7; 3,19). O humilde é aquele que reconhece o seu “nada”, embora seja a mais bela obra da Criação de Deus porque criado à Sua imagem e semelhança (cf. Gn 1,26). Maria Santíssima é exemplo de humildade sincera (cf. Lc 1,38). Adão e Eva, acometidos pela soberba, quiseram “ser como deuses” (cf. Gn 3,5). Vaidade. Jesus, por outro lado, humilhou-se até a morte e morte de cruz (cf. Fl 2,7-8). Todo e qualquer cristão chamado ao seguimento de Jesus é convidado a configurar-se com Ele. Jesus ensina: “Aquele que se exaltar será humilhado, e aquele que se humilhar será exaltado” (cf. Mt 23,12).