quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Quando o fogo passa e molha

Eram pouco mais de oito horas da manhã de um domingo friorento quando João deixava a estação Sé do metrô no centro de São Paulo e se deparou com uma inundação de cavalos, carros blindados, vans, viaturas e um número incontável de policiais militares, da guarda civil e da força nacional. A praça da Sé estava tomada de todo tipo de aparato de segurança.

João não sabia para que tudo aquilo. Ele seguia caminhando quando viu um pequeno grupo de pessoas bem aparentadas, com camisetas personalizadas e descobriu: Um deles ia carregar a tocha olímpica que estava chegando na cidade. Não havia multidão para ser contida nem outro público se não aquele pequeno grupo que iria presenciar essa chegada.

Enquanto a chama da tocha era mantida acessa e protegida para desfilar diante da multidão policial, carros com água de reuso banhavam as ruas ao entorno da praça. A chama fumegante da tocha mantinha-se vibrante enquanto era possível ouvir o barulho das grandes mangueiras jorrando bueiro abaixo o sono dos muitos moradores de rua que acordaram encharcados pela tocha. A tocha brilhava acessa e as águas levavam os cobertores e objetos das calçadas que enfeiavam as ruas por onde ela iria passar.

Com as ruas já limpas dos dejetos e indesejados, trios elétricos e carros de som da cor do fogo olímpico, munidos de bandas, cantores e dançarinas ensurdeciam os resmungos e os gritos dos molhados indignados que recolhiam os cacos de seus pertences. A animação dessas manifestações musicais fez João calar-se num silêncio barulhento e desesperançoso.

Mas, João se lembrou da noite anterior, quando deixava o Chá do Padre no Largo São Francisco, onde fora voluntário e um dos moradores de rua que iria passar a noite lá lhe agradeceu pelo que ele fazia por eles. O morador de rua não mentiu, tinha usado drogas, mas suas palavras eram sinceras. Ele disse: “Eu não sou essa situação, eu estou passando por essa situação. Um dia, quero poder fazer pelos outros o que você faz aqui pela gente”. Então João voltou a acreditar no ser humano.