segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

FAMÍLIA & CATEQUESE DESAFIOS E NOVAS PROPOSTAS

A III Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos, convocada pelo Papa Francisco que trata do tema dos “desafios pastorais sobre a família no contexto da evangelização”, interessa também a nós, catequistas, porque esses são também os nossos desafios quando se fala de catequese com as famílias, sobretudo na iniciação à vida cristã das crianças. Antes de sair por aí propondo iniciativas é preciso refletir e guiar-se pela experiência da Igreja para depois estabelecer propostas de ação e então colocá-las em prática na vida paroquial. Para isso, vamos usar o Instrumentum Laboris – Instrumento de Trabalho –, o documento em preparação da reunião dos bispos que pretende lançar luzes sobre o assunto, como texto guia para a nossa reflexão. No número 142 o Instrumentum Laboris afirma que “Frequentemente se verificam reticências e desinteresse por parte dos pais em relação ao percurso de preparação cristã proposto pelas comunidades. O resultado é que muitas vezes os pais, se podem, evitam participar nos percursos previstos para os filhos e para eles, justificando-se com razões de tempo e de trabalho, enquanto muitas vezes se trata de desleixe e de busca de soluções mais cômodas ou rápidas. Às vezes, eles manifestam até atitudes negativas diante das exigências dos catequistas. Noutros casos, é evidente a sua indiferença, porque permanecem sempre passivos em relação a qualquer iniciativa, e não se comprometem na educação religiosa do filho”. A maior parte de nossas comunidades paroquiais enfrenta os mesmos desafios quando o assunto é a família dos iniciandos... Lembro que, certa vez, em um encontro para pais que mais parecia uma reunião escolar, os pais das crianças da catequese de Primeira Eucaristia chegavam “sisudos”, entravam na Igreja com ar de quem esperava resultados. Olhavam para o relógio com a frequência de quem tem pressa ou está atrasado para o próximo compromisso. A pergunta que traziam na ponta da língua era “Quando é que meu filho vai fazer Primeira Comunhão?”. Os catequistas não conheciam grande parte dos pais e responsáveis das crianças da catequese e isso porque já fazia alguns meses que a turma estava caminhando junto...
Distantes, de braços cruzados, os pais buscavam respostas prontas para perguntas práticas. Eles não estavam ali para refletir, para ter um momento de intimidade com a Palavra de Deus. Eles estavam ali para uma reunião no estilo “pais e mestres” da escola e não para um encontro de catequese familiar. Os catequistas ficaram acuados e sem grandes esperanças de que o que haviam preparado naquela ocasião com aqueles pais daria certo, estava mais para uma perda de tempo. Mas, seguiram com tudo conforme o planejado. Aquele episódio inquietou os catequistas. Como poderiam educar na fé as crianças de pais que parecem indiferentes à catequese a não ser por perguntas como “Ele está se comportando bem? Está aprendendo direito?”, como se falassem a um professor da escola onde seus filhos estudam? Em geral, não de tinha o apoio dos pais como primeiros catequistas, como transmissores da fé... Então, aquele grupo deu-se conta que era preciso desenvolver uma iniciativa com os pais conjunta à iniciação cristã de seus filhos. Do contrário, a catequese infantil, em grande parte, estaria fadada à esterilidade e à frieza de fé. Seriam novas crianças que iriam receber o sacramento e depois “sumir” da Igreja...
Em geral, os catequistas sabem que, muitas vezes, as famílias não são aliadas à catequese na evangelização de seus filhos e que, distante da vida da Igreja, elas também precisam ser evangelizadas e não poucas vezes (re)iniciadas na fé. Quando o catequista chega a essa conclusão, esse é um momento importante da tomada de consciência de uma das falhas do nosso modelo de catequese tradicional. O catequista depara com um desafio à frente e a próxima pergunta que se segue é “O que fazer? Que tipo de iniciativa podemos desenvolver com os pais dessas crianças? Como fazer isso?”.

A catequese familiar é indispensável na iniciação à vida cristã das crianças 

O Instrumentum Laboris do sínodo dos bispos dá algumas pistas de ação:

1)      Afirma “a importância de uma estreita colaboração entre as famílias/casas e a paróquia, na missão de evangelizar, assim como a necessidade do envolvimento ativo da família na vida paroquial, através de atividades de subsidiariedade e solidariedade a favor de outras famílias” (nº 48). Trata-se de encorajar iniciativas que de diversas maneiras incluam a parceria das famílias nos projetos e ações pastorais, sobretudo de caráter social, que a comunidade paroquial realiza. São exemplos os hospitais, orfanatos, casas de repouso, instituições para menores e outros ambientes assistidos espiritualmente pela paróquia; gestos concretos com as famílias mais pobres e em sofrimento; participação nas atividades dos grupos e pastorais sociais da paróquia, etc.
2)      “Faz-se presente a necessidade de que a catequese assuma uma dimensão intergeracional, que envolva ativamente os pais no percurso de iniciação cristã dos próprios filhos” (nº 49). Como é que os pais participam no processo de catequese de seus filhos? Criamos as condições adequadas para que isso aconteça? Os encontros de catequese familiar com os pais são um bom testemunho, ainda mais se para além de um momento formativo, oferecemos as condições mínimas e as orientações para que os pais continuem no lar a catequese aprofundada na igreja, seja por meio de propostas de atividades e reflexões para serem feitas em família, ou seja na instrução dos pais para criar no cotidiano da vida familiar espaço para a vivência da fé.
3)      O texto lembra ainda a necessária “atenção às festas litúrgicas, como o tempo de Natal e sobretudo a festa da Sagrada Família, como momentos preciosos para mostrar a importância da família e apreender o contexto humano no qual Jesus cresceu, no qual aprendeu a falar, amar, rezar e trabalhar”. São as grandes celebrações que precisam ser preparadas com antecedência para as famílias e com as famílias. Se a sua catequese for de inspiração catecumenal e o itinerário de catequese dos iniciandos forem marcados pelas celebrações – ritos (aqueles que são previstos no Ritual da Iniciação Cristã de Adultos), envolva os pais nos ritos das celebrações!  O texto indica ainda a importância do “domingo como dia do Senhor; como dia no qual favorecer o encontro na família e com as outras famílias” (nº 49). Aqui ele está falando não só das missas do Domingo, mas também de outros momentos como as festas das famílias que são ocasiões de convivência entre os pais das crianças da catequese.
4)       É “frisada a importância da oração em família, (...) a fim de alimentar uma verdadeira «cultura familiar de oração»”. O único jeito de ensinar as famílias a rezarem é rezando com elas! A catequese precisa propor momentos de oração, espiritualidade, retiros e devoções com as famílias. Nos encontros de catequese familiar com os pais, o desafio é despertar neles a responsabilidade de uma vida de oração. Rezar junto com os seus filhos é considerada “uma forma eficaz para transmitir a fé às crianças”. O texto insiste ainda sobre as propostas de “leitura comum da Escritura, assim como sobre outras formas de oração, como a bênção da mesa e a recitação do rosário” (nº 42).
5)      Outras iniciativas criativas também são eficazes, tais como a peregrinação de uma imagem ou ícone de Nossa Senhora de família em família, ou ainda a “«peregrinação do evangelho», que consiste na colocação de um ícone e da Sagrada Escritura nas famílias, com o compromisso de ler regularmente a Bíblia e rezar juntos durante um determinado período” (nº 57), entre outras iniciativas.

Embora todas essas indicações pastorais sejam muito preciosas e colocá-las em prática seja uma grande conquista, não podemos parar por aí...

Recentemente conheci uma comunidade paroquial que vive um outro desafio. Lá, ao mesmo tempo em que as crianças têm o encontro de catequese, os pais, em outro ambiente, têm um encontro de catequese direcionado para eles. Todos gostam. Os pais vão ao salão paroquial com os filhos, levam-nos até a sala onde acontece o encontro de catequese. Já às portas, está a catequista esperando com um sorriso de boas-vindas. Os pais seguem para outra sala onde outro catequista os aguarda. Quando os encontros acabam, pais e filhos se reúnem de novo e participam juntos da missa. Os catequistas sentem que a catequese vai bem, as crianças e suas famílias participam dos encontros, das missas e de outras propostas feitas pelos catequistas. Grande alegria dessa comunidade paroquial é que, desde que adotaram essa metodologia de catequese com os pais, mesmo depois dessa fase de catequese ter acabado e os encontros para os pais terem se encerrado, grande parte das crianças continua participando das celebrações, junto com seus familiares. Os catequistas estão convictos que isso é resultado do esforço pela catequese familiar que já ocorre a quatro anos. Porém, agora a consciência dessa comunidade aguçou-se e ela percebeu que, embora a maior parte das famílias participem da missa, a grande maioria não passou a integrar as pastorais, movimentos e serviços da comunidade, mesmo as crianças. Aqui o desafio já é outro... como despertar essas famílias para a vida em comunidade?

O Instrumentum Laboris do sínodo sobre a família nos diz que “a obra pastoral da Igreja é chamada a ajudar as famílias na sua tarefa educacional, a começar pela iniciação cristã. A catequese e a formação paroquial constituem instrumentos indispensáveis para apoiar a família nesta tarefa de educação, de modo particular por ocasião da preparação para o batismo, a crisma e a eucaristia” (nº 133). Mas além da catequese e dos encontros de formação paroquial, o documento aponta também o “crescimento da igreja doméstica através de encontros pessoais e entre famílias, sobretudo cuidando da oração” (nº 133). Eis aí um ponto chave! Os encontros pessoais, ou melhor, o acompanhamento individual!
Ingressa na vida em comunidade aquele que se identifica com ela e só identifica-se com a comunidade quem é acolhido, valorizado na sua individualidade e aberto ao anúncio da Boa-Nova de Jesus Cristo, faz a experiência do encontro pessoal com Ele. A Igreja é a facilitadora dessa experiência de encontro. A experiência de catequese catecumenal feita pelos primeiros cristãos nos diz que essa adesão à fé e à Igreja começa com um convite que é feito por alguém da comunidade dos crentes e que seja próximo de quem é convidado ao seguimento de Jesus. Daí que para nós catequistas e para toda a comunidade paroquial, isso implica, em primeiro lugar, num testemunho de fé verdadeiro e no mínimo de proximidade e amizade com quem se pretende evangelizar, sejam as crianças e jovens, sejam suas famílias. Ora, qual outra maneira melhor de criar um vínculo saudável e verdadeiro com as famílias dos iniciandos se não por meio de um atendimento personalizado?
No texto do Instrumentum Laboris, dá-se o exemplo de que “nas paróquias alemãs, (...) tanto as crianças como os pais são seguidos por um grupo de catequistas que os acompanham ao longo do percurso catequético. Nas cidades grandes parece mais complexo conseguir realizar uma abordagem pastoral personalizada. De qualquer maneira, representa um desafio a possibilidade de se aproximar com profunda atenção destas irmãs e destes irmãos, de os acompanhar, ouvir e ajudar a expressar as interrogações que residem no seu coração, de propor um itinerário que possa fazer renascer o desejo de um aprofundamento da relação com o Senhor Jesus, também mediante autênticos vínculos comunitários” (nº 148).
De fato, não é fácil para os catequistas darem um atendimento personalizado a cada família que acompanham. Mas ele não precisa fazer isso sozinho! A comunidade paroquial toda pode ajudar!  Mas é preciso ter a coragem de sair da sala de catequese e ir ao encontro das famílias, de suas realidades... (cf. Instrumentum Laboris, nº50).

Um pretexto para mudar um contexto...
Dito de maneira clara, não basta fazer alguns encontros com as famílias, é preciso conhecê-las e deixar que elas conheçam você. O catequista também precisa esforçar-se por ser amigo dos pais das crianças da catequese, precisa visitá-los.
Há diversas objeções em relação a essa proposta, há aqueles que inclusive dizem que, da maneira como a apresentamos aqui, atribui-se a ela uma importância indevida. Ouso dizer que minha experiência pessoal mostra o contrário e que a maior parte das pessoas que recusam-se a visitar seus iniciandos e suas famílias, na verdade, optam por uma atitude de comodidade. Estreitar os laços entre a paróquia e as famílias não é tarefa fácil, mas o resultado é surpreendente!
Não é a visita em si que vai mudar alguma coisa, a visita é um pretexto...
Mas o que vai acontecer a partir dela, é o que pode mudar o contexto...
Numa visita, entrasse não só na casa, mas no lar de quem nos recebe, ou seja, no lugar e símbolo da intimidade de quem nos acolhe (cf. Lc 19, 1-10). O catequista dá-se a conhecer, fala de si, e cria as condições necessárias para que a família sinta-se à vontade para se expressar. É possível que algumas famílias sintam-se “invadidas”, desconfortáveis com a iniciativa do catequista, isso é normal. Abrir as portas de casa para um “estranho” nunca é algo fácil, seja compreensivo e não se magoe caso a acolhida não seja das melhores. É importante sempre manter o bom humor!
            Para uma primeira aproximação, principalmente se a família não for “católica praticante”, a proposta é de uma conversa informal, simples e breve, não se alongue com “sermões” ou orações. Na hora que for agendar a visita, pessoalmente ou por telefone, uma postura formal pode ajudar com frases do tipo: “Queremos conversar com vocês pais sobre a catequese de seu filho(a)”. Mas lembre-se, esse “vale tudo” é apenas um pretexto para aproximar-se das famílias, a formalidade não deve ser cultiva a partir da primeira visita.
Algumas perguntas que parecem óbvias – e que o catequista já sabe a resposta, servem para iniciar um bate-papo descontraído e iniciar a reflexão desejada com os pais. “Vocês vão a Igreja com o seu filho(a)?”, “Vocês têm o hábito de rezar juntos?”, “Costumam conversar com ele(a) sobre o que viu na catequese?”. Na medida em que o catequista falar de si, de sua experiência de vida em comunidade e também da sua família, ele pode perguntar algo sobre a família que visita também, como quem mora na casa, o cotidiano da família, etc. O importante é deixar a conversa fluir naturalmente, valorizando as respostas da família e a partir delas, dar continuidade ao bate-papo. Não dê sermões sobre participação na missa, nos encontros e outras “broncas”, faça perguntas para suscitar a reflexão dos pais sobre esses assuntos e, depois, explique porque eles são importantes.
Se estiver próximo da data dos sacramentos da penitência e da Eucaristia, pergunte aos pais se eles acreditam estarem em condições de ajudarem seus filhos na confissão, partilhando a experiência de como foi a sua primeira confissão e a celebração da Primeira Eucaristia. Questione-os sobre a prática sacramental e investigue as motivações que levaram eles a colocar seus filhos na catequese paroquial. Consulte-os se, na opinião deles, seus filhos estão “preparados” para celebrar os sacramentos. Na verdade, essa pergunta tem como intenção despertar os pais quanto a sua própria “preparação” e vivência sacramental. Pois, como sabemos, muitas vezes, “não são os pais que transmitem a fé aos filhos, mas vice-versa; são os filhos que, abraçando-a, a comunicam a pais que, desde há tempos abandonaram a prática cristã” (Instrumentum Laboris nº 137).
Evite fazer as visitas sozinho, chame outros catequistas ou outras pessoas da comunidade. Um trabalho conjunto com a pastoral da família, da acolhida, da visitação, ou outros grupos que desenvolvam o ministério da visitação, é uma iniciativa excelente, sobretudo para dar continuidade à primeira visita feita pelo catequista, mas agora incluindo, pouco a pouco, momentos de oração e reflexão com a Palavra de Deus.

As visitas criam laços e os laços criam comunidade!
            O atendimento personalizado às famílias dos iniciandos, aliado a proposta de envolvimento na vida pastoral pode contribuir eficazmente para a integração dessas famílias à vida da comunidade paroquial. Mas para que isso aconteça, não basta o protagonismo do catequistas. O apoio do padre e do restante da comunidade paroquial é indispensável! São eles que também se farão presentes nos encontros de catequese familiar, nas visitas, nas celebrações, são eles a propor e acompanhar o engajamento das famílias nas atividades das pastorais, movimentos e serviços da comunidade paroquial encaminhados pelos catequistas de modo a facilitar a integração deles, criando neles o sentimento e a certeza de acolhida e pertença à Igreja.
De fato, o Instrumentum Laboris, no nº 146, assim sintetiza: “Entre as experiências eclesiais eficazes e significativas, destinadas a contribuir para o percurso destes pais, foram evidenciadas: as catequeses comunitárias e familiares; os movimentos de apoio à pastoral conjugal; as missas dominicais; as visitas às famílias; os grupos de oração; as missões populares; a vida das comunidades eclesiais de base; os grupos de estudo bíblico; as atividades e a pastoral dos movimentos eclesiais; a formação cristã oferecida aos pais das crianças e dos jovens que frequentam os numerosos colégios e centros de educação católica”.
Toda a criatividade e boa vontade dos catequistas que querem se aproximar e evangelizar as famílias dos iniciandos é muito bem-vinda. Porém, não se pode deixar de ter em conta as orientações da Igreja que já existem sobre esse desafio.

Texto de João Melo originalmente publicado em Revista Digital Sou Catequista, edição 7, ano 2, outubro/2014, págs, 40-50.

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