Quando Emanuel nasceu, conta-se
que ele fora encontrado recém-nascido num galho de árvore, dentro de uma flor aroseada
tão grande que as pétalas macias, frágeis e ao mesmo tempo protetoras envolviam
por completo o menino que só fora descoberto porque passava por ali um grupo
que escutou o seu choro mimoso. Esta fora a única flor gerada por aquela
árvore, como se ela tivesse concentrado todo o seu florir naquela amostra unigênita
de sua botânica. A flor fechara para nunca mais se abrir depois de ter deitado
ao mundo o jovem Emanuel.
A árvore de cuja flor brotou
Emanuel era frondosa, de galhos cheios que faziam uma refrescante sombra aos
passantes. Pela história do nascimento de Emanuel que corria de boca em boca
por ali, chamavam-na de Árvore que dá Vida ou Árvore Mãe. Com o tempo e o
costume do povo, falava-se apenas em Árvore da Vida. De fato, não era um árvore
qualquer: Ela se destacava em meio as outras pela verdedura e pela energia que inspirava
a quem a olhasse de perto. Quando a brisa leve farfalhava seus galhos, ela
parecia alegrar-se e o barulho de suas folhas lembrava um canto de amor. O
vento acariciava-a e ela zunia docemente em agradecimento.
Emanuel que agora já era um
menino, escutara a história de seu nascimento diversas vezes, contada por todos
do pequeno vilarejo perto de onde a árvore estava. Já fazia algum tempo que
Emanuel decidira ir morar à sombra da Árvore da Vida. Ora, já que lhe diziam
que ele brotara da árvore, nada mais justo do que ele morar aos seus pés,
pensara. E assim fez: Armou a sua tenda à proteção dos galhos da Árvore da Vida
e por ali ficou.
O pequeno Emanuel era conhecido e
querido por todos do vilarejo. Ele caminhava até lá todos os dias. Passeava
pela praça onde sempre encontrava conhecidos que lhe davam o de comer ou algum
dinheiro em troca de pequenas tarefas e trabalhos simples. No fim do dia, ele
voltava para a Árvore e, já ao longe, quando avistava os seus primeiros galhos,
o seu coração se enchia de alegria. Havia tardes que, enquanto o sol se punha,
ele ficava contemplando a Árvore e meditando sobre a história de seu
nascimento. Assim, passavam-se os dias do infante Emanuel.
Certa vez, Emanuel notou lá na
copa da Árvore algo diferente de folhas. Era algo com tons de amarelo vivo. Subiu
no galho mais baixo e depois trepou-se em uma mais alto até conseguir ver do
que se tratava: Era um fruto amareleço de formato violão que Emanuel não
conhecia. Ele escalou em outro galho ainda mais alto e logo podia tocar no
fruto novo. Colheu-o. Era o primeiro fruto não menino que a árvore dava. Sua
superfície era levemente aveludada e acariciável ao toque humano. O cheiro doce
e inebriante atiçava o paladar. Emanuel teve vontade de comê-lo e ali mesmo,
embrenhado entre as ramas da Árvore da Vida, fartou-se do fruto novo. Pela
primeira vez na eternidade saboreou-se dum alimento de suculência tão
saciadora. Era uma delícia de fruto que podia ser abocanhado com leveza e que
enchia o paladar de tão aquoso que era. Emanuel festejou agradecido pelo novo fruto.
Depois, desceu até sua tenda e recostado no tronco da Árvore adormeceu. E
sonhou um sonho tão lindo e sagrado que não ousou contar a ninguém sobre as
maravilhas dos mistérios insondáveis que vislumbrou naquela noite. Seu coração
de menino estava acalentado.
Na manhã seguinte, para sua
surpresa, a Árvore da Vida frutificara mais uma meia dúzia de frutos. Emanuel apanhou-os
em uma cesta a fim de levá-los para o vilarejo. Lá, distribuiu-os para aqueles
que eram mais pobres e famintos, como ele. Naquele dia, porém, Emanuel notou
que as pessoas o cumprimentavam dispensando-lhe mais atenção do que o costume e
dando-lhe os parabéns. Foi quando lhe caiu na conta que com a colheita do fruto
novo, esquecera completamente de que dia era aquele: o dia em que se comemorava
o seu nascimento. Emanuel ficou ainda mais contente, pois sabia o que isso
significava: era dia de festa. Desde que completara um ano de vida, era costume
dos moradores do vilarejo que nesse dia, ao cair da tarde, todo o povo se
reunisse em torno do lenhoso tronco da Árvore da Vida, levando velas e lamparinas
que penduravam nos galhos para ali celebrarem a vida de Emanuel. Dessa vez,
além de toda a comida e bebida trazida por eles, haveria também os novos frutos
da Árvore da Vida. E, de fato, a alegria e o encanto com os novos frutos foram tão
intensas, que os cantos e danças arrastaram-se noite adentro e os homens e
mulheres daquele tempo chamaram aquele festejo de Natal.
Dias depois, Emanuel notou que ao
redor da grande Árvore nasceram várias outras pequenas árvores da mesma
espécie. Passado alguns meses, rápido como o soprar do vento, elas já não eram
mais brotos pequenos, mas sim verdadeiras árvores cujos galhos se encontravam
formando um único teto esverdeado sob a cabeça de Emanuel e de quem por lá
passasse. Era uma inteira floresta nascida da Árvore da Vida. E apesar das
árvores serem todas irmãs, misteriosamente cada uma delas produzia um fruto
diferente nas cores e nos sabores. Que floresta adorável essa em que o jovem
Emanuel vivia!
Agora, haviam dias em que ele não
era mais visto no vilarejo e julgavam que estava na floresta que se alastrava
dia a dia. Ainda assim, os viajantes que por lá passavam raramente o
encontravam. A floresta era toda silêncio humano. Só os pássaros e o vento nas
folhas pareciam cantarolar um perene hino sacro.
No vilarejo os boatos eram
incontestáveis: O festejo do Natal daquele ano ia ser o maior de todos, pois
havia agora uma inteira floresta com frutos em abundância para celebrar. Outros
moradores de vilarejos mais distantes, peregrinos e até estrangeiros também
apareceriam para a festa do Natal que ganhava novas proporções.
De fato, naquele ano, o Natal de
Emanuel foi grandioso. Mas com a sua grandeza, aconteceu de um ou outro festeiro,
tomados por um instinto egoísta que contradizia o espírito da comemoração do
nascimento de Emanuel, armarem-se de instrumentos cortantes a fim de levarem
para si árvores do Natal, ferindo a Floresta e a celebração. Eles queriam
cultivar as árvores só para si mesmos, privilegiando-se de seus frutos, e os
mais vis já almejavam enriquecer com o comércio da frutificação das árvores do
Natal. Então, Emanuel que subira em um dos galhos da Árvore da Vida gritou a
estes e a todos, proclamando:
- Depõe tuas armas e sê bem-vindo! Cá, à sombra acolhedora da Árvore de
Natal, dividimos os frutos desse convívio de fraternidade! É desejo de partilha
e de festejo do Reinado Divino! Dá mais um passo, chega mais perto, coma e beba
dessa ceia natalina sem nenhuma paga! Inebrie-se com os frutos dessa Árvore de
Vida que nos abraça a todos e todas com seus galhos frondosos e frutificados!
Entra na roda com a gente e cante um hino natalino que alegra e resfolega o
coração de utopia! Que saudades de um mundo melhor!
Fez-se silêncio. E o som do
farfalhar das árvores pelo vento, escutado por pessoas saciadas pelos frutos das
árvores da Floresta, despertava nos convivas o desejo de cantar cantos e hinos
de alegria, os cantos de Natal. E o Reino da festa de Natal vigorava e tudo parecia
suficiente.
Outros festeiros de terras
longínquas, mais acanhados e discretos, procuraram Emanuel para dizer-lhe o
quanto o Natal os repleitavam e do desejo sincero e profundo de poder
celebrá-lo novamente em suas terras e lares distantes, pois sabiam que não poderiam
voltar à Floresta de Natal. Emanuel escutou-os a todos com compaixão e
misericórdia. Ele sabia o que eles queriam e precisavam: levar uma das Árvores
de Natal e cultivar a celebração que se realiza ao seu redor. E assim ele lhes
concedeu. Mas, na intimidade de seu coração, Emanuel sabia que o tempo da
Floresta da Árvore da Vida estava acabando e que ao redor das árvores de seu
nascimento nascia agora algo novo e maior: a propagação do Natal.
Aquela noite foi a última em que
Emanuel foi visto pelos festejantes do seu Natal. Ele nunca mais apareceu no
vilarejo. Alguns dizem que ele permanece na Floresta de Natal e que na época
das comemorações natalinas ainda é possível vê-lo dançar enquanto come frutos novos.
Outros dizem que ele viaja mundo afora, levando Árvores de Natal e sua
celebração de fraternidade e partilha para outros povos e nações. Os mais
místicos arriscam dizer que Emanuel faz-se sempre presente toda vez que um
punhado de gente se reúne em torno de uma árvore para celebrar o Natal.
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