domingo, 30 de dezembro de 2018

A Floresta Natalina de Emanuel


Quando Emanuel nasceu, conta-se que ele fora encontrado recém-nascido num galho de árvore, dentro de uma flor aroseada tão grande que as pétalas macias, frágeis e ao mesmo tempo protetoras envolviam por completo o menino que só fora descoberto porque passava por ali um grupo que escutou o seu choro mimoso. Esta fora a única flor gerada por aquela árvore, como se ela tivesse concentrado todo o seu florir naquela amostra unigênita de sua botânica. A flor fechara para nunca mais se abrir depois de ter deitado ao mundo o jovem Emanuel.

A árvore de cuja flor brotou Emanuel era frondosa, de galhos cheios que faziam uma refrescante sombra aos passantes. Pela história do nascimento de Emanuel que corria de boca em boca por ali, chamavam-na de Árvore que dá Vida ou Árvore Mãe. Com o tempo e o costume do povo, falava-se apenas em Árvore da Vida. De fato, não era um árvore qualquer: Ela se destacava em meio as outras pela verdedura e pela energia que inspirava a quem a olhasse de perto. Quando a brisa leve farfalhava seus galhos, ela parecia alegrar-se e o barulho de suas folhas lembrava um canto de amor. O vento acariciava-a e ela zunia docemente em agradecimento.

Emanuel que agora já era um menino, escutara a história de seu nascimento diversas vezes, contada por todos do pequeno vilarejo perto de onde a árvore estava. Já fazia algum tempo que Emanuel decidira ir morar à sombra da Árvore da Vida. Ora, já que lhe diziam que ele brotara da árvore, nada mais justo do que ele morar aos seus pés, pensara. E assim fez: Armou a sua tenda à proteção dos galhos da Árvore da Vida e por ali ficou.

O pequeno Emanuel era conhecido e querido por todos do vilarejo. Ele caminhava até lá todos os dias. Passeava pela praça onde sempre encontrava conhecidos que lhe davam o de comer ou algum dinheiro em troca de pequenas tarefas e trabalhos simples. No fim do dia, ele voltava para a Árvore e, já ao longe, quando avistava os seus primeiros galhos, o seu coração se enchia de alegria. Havia tardes que, enquanto o sol se punha, ele ficava contemplando a Árvore e meditando sobre a história de seu nascimento. Assim, passavam-se os dias do infante Emanuel.   

Certa vez, Emanuel notou lá na copa da Árvore algo diferente de folhas. Era algo com tons de amarelo vivo. Subiu no galho mais baixo e depois trepou-se em uma mais alto até conseguir ver do que se tratava: Era um fruto amareleço de formato violão que Emanuel não conhecia. Ele escalou em outro galho ainda mais alto e logo podia tocar no fruto novo. Colheu-o. Era o primeiro fruto não menino que a árvore dava. Sua superfície era levemente aveludada e acariciável ao toque humano. O cheiro doce e inebriante atiçava o paladar. Emanuel teve vontade de comê-lo e ali mesmo, embrenhado entre as ramas da Árvore da Vida, fartou-se do fruto novo. Pela primeira vez na eternidade saboreou-se dum alimento de suculência tão saciadora. Era uma delícia de fruto que podia ser abocanhado com leveza e que enchia o paladar de tão aquoso que era. Emanuel festejou agradecido pelo novo fruto. Depois, desceu até sua tenda e recostado no tronco da Árvore adormeceu. E sonhou um sonho tão lindo e sagrado que não ousou contar a ninguém sobre as maravilhas dos mistérios insondáveis que vislumbrou naquela noite. Seu coração de menino estava acalentado.

Na manhã seguinte, para sua surpresa, a Árvore da Vida frutificara mais uma meia dúzia de frutos. Emanuel apanhou-os em uma cesta a fim de levá-los para o vilarejo. Lá, distribuiu-os para aqueles que eram mais pobres e famintos, como ele. Naquele dia, porém, Emanuel notou que as pessoas o cumprimentavam dispensando-lhe mais atenção do que o costume e dando-lhe os parabéns. Foi quando lhe caiu na conta que com a colheita do fruto novo, esquecera completamente de que dia era aquele: o dia em que se comemorava o seu nascimento. Emanuel ficou ainda mais contente, pois sabia o que isso significava: era dia de festa. Desde que completara um ano de vida, era costume dos moradores do vilarejo que nesse dia, ao cair da tarde, todo o povo se reunisse em torno do lenhoso tronco da Árvore da Vida, levando velas e lamparinas que penduravam nos galhos para ali celebrarem a vida de Emanuel. Dessa vez, além de toda a comida e bebida trazida por eles, haveria também os novos frutos da Árvore da Vida. E, de fato, a alegria e o encanto com os novos frutos foram tão intensas, que os cantos e danças arrastaram-se noite adentro e os homens e mulheres daquele tempo chamaram aquele festejo de Natal.



Dias depois, Emanuel notou que ao redor da grande Árvore nasceram várias outras pequenas árvores da mesma espécie. Passado alguns meses, rápido como o soprar do vento, elas já não eram mais brotos pequenos, mas sim verdadeiras árvores cujos galhos se encontravam formando um único teto esverdeado sob a cabeça de Emanuel e de quem por lá passasse. Era uma inteira floresta nascida da Árvore da Vida. E apesar das árvores serem todas irmãs, misteriosamente cada uma delas produzia um fruto diferente nas cores e nos sabores. Que floresta adorável essa em que o jovem Emanuel vivia!

Agora, haviam dias em que ele não era mais visto no vilarejo e julgavam que estava na floresta que se alastrava dia a dia. Ainda assim, os viajantes que por lá passavam raramente o encontravam. A floresta era toda silêncio humano. Só os pássaros e o vento nas folhas pareciam cantarolar um perene hino sacro. 

No vilarejo os boatos eram incontestáveis: O festejo do Natal daquele ano ia ser o maior de todos, pois havia agora uma inteira floresta com frutos em abundância para celebrar. Outros moradores de vilarejos mais distantes, peregrinos e até estrangeiros também apareceriam para a festa do Natal que ganhava novas proporções.

De fato, naquele ano, o Natal de Emanuel foi grandioso. Mas com a sua grandeza, aconteceu de um ou outro festeiro, tomados por um instinto egoísta que contradizia o espírito da comemoração do nascimento de Emanuel, armarem-se de instrumentos cortantes a fim de levarem para si árvores do Natal, ferindo a Floresta e a celebração. Eles queriam cultivar as árvores só para si mesmos, privilegiando-se de seus frutos, e os mais vis já almejavam enriquecer com o comércio da frutificação das árvores do Natal. Então, Emanuel que subira em um dos galhos da Árvore da Vida gritou a estes e a todos, proclamando:

- Depõe tuas armas e sê bem-vindo! Cá, à sombra acolhedora da Árvore de Natal, dividimos os frutos desse convívio de fraternidade! É desejo de partilha e de festejo do Reinado Divino! Dá mais um passo, chega mais perto, coma e beba dessa ceia natalina sem nenhuma paga! Inebrie-se com os frutos dessa Árvore de Vida que nos abraça a todos e todas com seus galhos frondosos e frutificados! Entra na roda com a gente e cante um hino natalino que alegra e resfolega o coração de utopia! Que saudades de um mundo melhor!

Fez-se silêncio. E o som do farfalhar das árvores pelo vento, escutado por pessoas saciadas pelos frutos das árvores da Floresta, despertava nos convivas o desejo de cantar cantos e hinos de alegria, os cantos de Natal. E o Reino da festa de Natal vigorava e tudo parecia suficiente.

Outros festeiros de terras longínquas, mais acanhados e discretos, procuraram Emanuel para dizer-lhe o quanto o Natal os repleitavam e do desejo sincero e profundo de poder celebrá-lo novamente em suas terras e lares distantes, pois sabiam que não poderiam voltar à Floresta de Natal. Emanuel escutou-os a todos com compaixão e misericórdia. Ele sabia o que eles queriam e precisavam: levar uma das Árvores de Natal e cultivar a celebração que se realiza ao seu redor. E assim ele lhes concedeu. Mas, na intimidade de seu coração, Emanuel sabia que o tempo da Floresta da Árvore da Vida estava acabando e que ao redor das árvores de seu nascimento nascia agora algo novo e maior: a propagação do Natal.

Aquela noite foi a última em que Emanuel foi visto pelos festejantes do seu Natal. Ele nunca mais apareceu no vilarejo. Alguns dizem que ele permanece na Floresta de Natal e que na época das comemorações natalinas ainda é possível vê-lo dançar enquanto come frutos novos. Outros dizem que ele viaja mundo afora, levando Árvores de Natal e sua celebração de fraternidade e partilha para outros povos e nações. Os mais místicos arriscam dizer que Emanuel faz-se sempre presente toda vez que um punhado de gente se reúne em torno de uma árvore para celebrar o Natal.

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